Crônica Raul Seixas
Crônicas Musicais

Crônica Raul Seixas

35 ANOS SEM RAUL SEIXAS

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

exatos 35 anos, na manhã de 21 de agosto de 1989, Raul Seixas foi encontrado morto em seu apartamento. Raulzito tinha diabetes e se esqueceu de tomar a indispensável dose de insulina na noite anterior. Na época, ele andava inchado e lerdo, o álcool havia feito o seu trabalho e esse Raul morto, com apenas 44 anos, parecia um ancião meio lesado.

Voltando no tempo me lembro de um encontro que tive com ele em São Paulo, no Hotel Danúbio, na Av. Brigadeiro Luiz Antônio, nº 1099, que era, na ocasião, o preferido dos músicos. Não sei como fui parar ali, o fato é que me vi frente a frente com Raulzito e ele, muito falante, foi logo saindo com um papo que imagino que devia ser um dos seus habituais: o mago inglês Aleister Crowley:

“— O Aleister Crowley comeu Fernando Pessoa naquele penhasco, Boca do Inferno, em Portugal; depois se atirou ao mar simulando um suicídio. Não morreu nem porra nenhuma, apenas partiu para um outro plano e até hoje vive se reencarnando por aí. Esse meu novo parceiro, o Claudio Roberto, é a reencarnação dele.”

Depois desse rápido papo que se deu no lobby do hotel, Raul pediu uma garrafa de uísque se despediu, dizendo que ia pro seu quarto. Abraçou a garrafa e pegou o elevador. Não eram ainda oito horas da noite.

A segunda vez que falei com Raul foi por telefone. Meu amigo Fredera, guitarrista do Som Imaginário, estava tocando com RS. Depois do show, realizado em um festival (acho que o nome era Pop Rock), que aconteceu no antigo campo do Cruzeiro, no Barro Preto em BH, bati um papo com Fredera. Ficou combinado que nos encontraríamos no Rio de Janeiro, pra onde eu ia daí a alguns dias. Acontece que ele estava sem telefone, então me passou o do RS, que poderia fazer a ponte para que nos encontrássemos. Cheguei ao Rio e liguei pro número do Raul. Ele atendeu com uma voz estranha, falava baixinho e parecia estar com receio de alguma coisa. Me apresentei e perguntei pelo Fredera. Raul disse que não tinha notícias dele, não sabia seu telefone, nem nada. Agradeci e me despedi pensando que o alquimista estava no meio de alguma transmutação que não deu certo.

Fico pensando no que aconteceria se o álbum Krig-ha, Bandolo! (julho de 1973) fosse lançado agora, em 2024. Como seria recebida uma canção como Ouro de Tolo no atual contexto. Será que poderia alcançar algum eco em meio ao lixo musical que inunda todos os veículos, mídias e streamings? Lembro de ter ouvido a música pela primeira vez no rádio e tomei um tapa como se tivesse tragado um haxixe afegão. O som, a letra reunia palavras que soavam estranhas:

“Porque longe das cercas embandeiradas

que separam quintais

no cume calmo do meu olho que vê

assenta a sombra sonora dum disco voador “

Vibrei e tive medo. O medo do novo, do inusitado, do que transcende os limites do universo poético (quase sempre muito pobre) das canções populares do então chamado iê-iê-iê, ou se preferirem o tal de rock and roll.

Há 51 anos o mundo era outro, eu era outro e o Raulzito também. Como seria o Raul hoje aos 79 anos? Será que iria engolir a modernagem cibernética, a pansexualidade vigente, a ditadura das fake news e a predominância do mau gosto musical sem precedentes? Ou iria baixar em São Tomé das Letras, tomar um vinho Marcon com a malucada e rezar pra ser abduzido pelo moço do disco voador? Poderia, também, entrar de cabeça na geopolítica e construir seu caminho nas Novas Rotas da Seda apostando nos BRICS e no novo mundo multipolar?

Sonhos e delírios à parte, Raul Seixas continua congregando mentes e corações. Talvez, com o passar do tempo, esteja perdendo espaço; mas gerações, as mais diversas, não desgrudam do reclame e na hora do porto da barra, gritam a plenos pulmões:

— TOCA RAUL!!!

Revisão: Hilário Rodrigues

Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas

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