História do Teatro | Sófocles, dramaturgo
Texto: Cristina Tolentino
cristolenttino@gmail.com
Teatro grego, Sófocles
O coro da Electra de Sófocles
Sófocles nasceu em 496 a.C., na pequena localidade de Colono, nas imediações de Atenas.
Outras aldeias assim chamadas reclamaram a honra de terem sido a sua pátria, mas nas odes corais de Édipo em Colono tem-se visto uma homenagem do poeta à sua terra natal na Ática.
Morreu em 406 a.C., no mesmo ano que também Eurípedes faleceu. Não foi certamente pobre e recebeu educação esmerada. Teve bela aparência e dela se aproveitou em experiências de palco que, segundo fontes, frustraram-se pela impropriedade da sua voz. Fez carreira de homem público.
Morreu aos noventa anos e a imagem que deixou foi a de uma existência sem muitos conflitos e dificuldades. Por 24 vezes foi vencedor nos concursos dramáticos, a primeira em 469 a.C., derrotando o próprio Ésquilo.
Das 123 peças que escreveu, sobrevivem sete tragédias completas e o drama satírico Ichneutaí. Atribui-se a Sófocles o aperfeiçoamento da cenografia e a admissão do terceiro ator.
Mas a grande contribuição de Sófocles foi ter dado à tragédia a sua estruturação definitiva: o prólogo com a exposição dramática dos fatos, o párodo entrada regular do coro, seguidos do primeiro, segundo, terceiro, quarto episódios, a que corresponde igual número de estásimos, e finalmente o êxodo do coro.
As Tragédias de Sófocles
A primeira das suas tragédias é talvez AJAX, dramatização da loucura e morte do herói.
Penetrante análise de um soldado corajoso, mas hipersensível, que é destruído pelo excesso de suas melhores qualidades. Sua coragem torna-se orgulho avassalador, a sua autoconfiança leva ao desdém pelos outros e a sensibilidade transforma-se em morbidez quando é ferido no amor-próprio.
Quando a armadura de Aquiles é oferecida a Odisseu e não a ele, Ajax, que tem maior prêmio em razão de seu valor, acalenta o rancor até que se decide a matar os chefes gregos durante o sono.
Mas as intenções criminosas bem como a extrema autoconfiança suscitam a ira da deusa da razão, Palas Atena. Levando-o à loucura faz com o herói dê largas ao seu ódio sobre um inocente rebanho de ovelhas, nas quais imagina ver os gregos.
Quando recupera os sentidos, sente-se tão humilhado que se atira sobre a sua própria espada. Mas a maior contribuição de Sófocles ao drama de caracteres está em sua ELECTRA, na qual trata o tema de AS COÉFORAS de Ésquilo unicamente em termos da personalidade humana.
Para Ésquilo o problema era ético: a justeza da vingança. Sófocles resolve o problema moral e aceita o assassinato materno colocando-o na distante antiguidade; sua linguagem intencionalmente arcaica em ELECTRA coloca claramente o elemento tempo.
Tendo solucionado a questão ética, volta-se inteiro ao problema da personagem. Que espécie de mulher era Electra, que deseja ver a mãe assassinada e estava pronta para o feito?
Personagem indobrável e orgulhosa, é uma censura viva aos assassinos do pai. Entretanto, seus nervos não são inteiramente de aço e algumas vezes pode derreter-se. Quando contam que Orestes está morto, ela o pranteia comovedoramente.
Mais tarde, no momento em que o irmão se revela a ela, quase esquece o objetivo da visita e põe em perigo seus planos, abraçando-o estreitamente. Após a morte da mãe, Electra é instintivamente vencida pelo horror de si própria. Dor e Alegria alternam-se por toda a peça.
FILOCTETES – é uma tragédia apenas no sentido grego (devido a exaltada dramaticidade); não faz uso de catástrofe ao final e o espírito da obra é Pastoral.
A peça tem elementos mais sombrios na agonia física do herói, nas queixas contra os gregos e na apresentação da traição e falta de escrúpulos através da figura de Odisseu.
Mas a atmosfera dominante é de loucura e luz, e o poeta nos assegura que a perversidade do mundo é compensada algumas vezes pela imaculada humanidade.
Uma das peças mais tardias, AS TRAQUINIANAS ou AS MULHERES DE TRAQUIS é enfraquecida pela falta de unidade, desde que o interesse é dividido entre Dejanira e seu marido e a peça usa mais do recurso narrativo do que costumamos encontrar na obra de Sófocles.
Mas a tragédia comporta um poderoso e comovente estudo da mulher ciumenta. AS TRAQUINIANAS, desprovida de indagações cósmicas e sociais, deve muito de seu interesse à lúcida análise dos personagens de meia idade.
Antígona e o Drama Social
Escrita em 442 a.C. Sófocles dedica-se aqui a um conflito básico: a luta entre uma mulher defendendo a família (consciência individual) e o homem apoiando o Estado (pretensões rivais do Estado).
A oposição entre amor e ódio lança sua magia por toda a peça. Nesta tragédia, Creonte, imperando em Tebas após a vitória dos Sete, proíbe o sepultamento de Polinices, como inimigo da sua pátria.
Sua irmã Antígona recusa obediência à ordem e proporciona-lhe sepultura. Condenada à morte, suicida-se.
A Tragédia do Destino - Édipo Rei
A mesma batalha com um tema importante e difícil distingue as duas grandes peças que colocam o problema do destino.
Édipo-Rei terá na crônica do gênero trágico uma posição suprema, compartilhada somente pela Orestíada, à qual supera, todavia, em densidade e precisão.
A simples leitura desta obra, ou à luz de qualquer montagem que dela se faça, logo se entenderá porque Aristóteles a invoca, na Poética, quando deseja um exemplo para a tragédia.
A perfeita construção em que se apoia a recriação do mito, conduz com maestria à final e cruel revelação que o destino reservara ao herói, a de ter sido o assassino do próprio pai, tudo num clima de “ironia trágica” em que Édipo “se torna a última pessoa em todo o teatro a compreender a verdade devastadora”.
Se Sófocles não podia esperar resolver o enigma do destino, ao menos conseguiu escrever uma das incontestáveis obras-primas do mundo.
Quando Nietzsche escreveu que incontroladas forças anárquicas de paixão e horror íntimo – o elemento “Dionisíaco” – faziam por trás da serena máscara Apolínea de beleza Sofocliana, o filósofo alemão descobria uma profunda verdade sobre a tragédia grega e em especial em Édipo-Rei.
Dela emana avassaladora dramaticidade. A peça é carregada de suspense, ritmo e crescente excitação.
Há, no desenvolvimento do tema, uma perfeita interação das forças superiores incontroláveis e da ação humana, em função da marcha dos acontecimentos, que a ordem moral intermediária mantém sob o seu irrecorrível domínio.
A seqüência a esta tragédia, o sereno e encantador ÉDIPO EM COLONA, escrita muitos anos mais tarde é o Purgatório e Paraíso do Inferno de Sófocles.
O exilado Édipo conquistou a mais alta das vitórias sofoclianas da liberdade sobre as perturbações. Pode agora encarar seu crime sem acumular sobre si mesmo carvões em brasa produzidos por uma consciência mórbida.
Édipo está purgado e curado. E com ele, nós que o seguimos aos abismos, imergimos liberados e fortificados. Édipo experimentou os extremos do sofrimento e elevou-se acima da humanidade comum.
Ele vivenciou toda a agonia humana e foi santificado. Além das derradeiras cadeias da paixão e da dor, só pode haver paz duradoura: na conclusão da tragédia, reconciliado com a ordem do mundo, Édipo lava-se, dá às suas filhas um afetuoso adeus, responde à voz mística que o chama e, sem que ninguém o conduza, caminha para o túmulo, cuja localização nenhum homem conhece exceto o cavalheiresco rei – herói Teseu, que o aparou.
O solo da pequena aldeia se torna sagrado, numa dupla simbologia, a da redenção pelo sofrimento e a do retorno à terra, mãe-geratriz e abrigo, no melhor espírito dos mitos mediterrâneos.
Édipo em Colona permanece como a derradeira palavra de Sófocles sobre as inexplicáveis fatalidades da vida e uma afirmação da santidade final da humanidade sofredora.