CRÔNICAS DA ERA DO ROCK – por Rodrigo Leste
Novos Baianos, mais do que um grupo musical, foi um estilo de vida. O jeito novobaiano de ser harmonizava a vida em comunidade com o exercício do desapego; misturava música e futebol, alegria e espiritualidade, natureza e poesia. Uma vez, no Farol da Barra, o poeta Galvão, letrista da banda, me contou detalhes da vida novobaiana:
— Qualquer um, lá em casa, pode pegar uma camisa e usar, as roupas são de todos. Usa, lava e põe na roda outra vez. Com o dinheiro é a mesma coisa: tem um pote onde quem precisa vai lá e pega. A grana é colocada ali também por quem tem algum pra trazer e, assim, vamos vivendo.
Num quarto de pensão em Salvador, baianos de várias procedências foram se conhecendo. Ao núcleo básico, Moraes, Galvão e Paulinho Boca de Cantor, juntou-se a cantora Baby, garota de Niterói que adotou a Bahia como lar e como mãe. Pouco depois uniu-se ao grupo, na época conhecido como Os Leifs, o guitarrista Pepeu Gomes. Nos idos de 1969 realizaram o primeiro show “O Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal” no Teatro Vila Velha, em Salvador. Mas foi no Festival de Música da TV Record, ainda em 1969, que, na falta de outro nome, aceitaram “novos baianos”, pelo qual foram chamados por alguém da produção. E pegou!
A banda foi crescendo, recebendo novos integrantes, baianos ou não: o baixista Dadi, o baterista Jorginho Gomes, irmão de Pepeu, vários percussionistas como Bolacha, Baixinho e Charles Negrita, além do dançarino Gato Felix. Mudaram-se para o Rio, passando a morar em comunidade num pequeno apartamento em Botafogo. A grana e o reconhecimento começaram a chegar com o estrondoso sucesso do álbum Acabou Chorare, que traz Preta/Pretinha, Tinindo e Trincando e Mistério do Planeta, três músicas que o Brasil cantou muito na época (1972) e continua a cantar. Com Brasil Pandeiro, de Assis Valente, demonstraram a capacidade novobaiana de resgatar pérolas que já se perdiam na memória musical brasileira. O sucesso musical e financeiro permitiu a mudança para um sítio em Jacarepaguá apelidado Cantinho do Vovô, com campinho de futebol e tudo. Lá, deu-se o célebre encontro de João Gilberto com os Novos Baianos. João era de Juazeiro da Bahia, conterrâneo de Galvão, com quem batia longos papos desde menino. Para a turma novobaiana João Gilberto era não só um ídolo mas também um mentor espiritual e musical.
Influências à parte, o som dos Novos Baianos trouxe muitas novidades à MPB: misturou Jacob do Bandolim com Santana, Ademilde Fonseca com Janis Joplin, Gonzagão com Jeff Beck e, de quebra, bateu no liquidificador Eric Clapton, Dire Straits e Waldir Azevedo. Resumindo: o máximo do pop, misturado sem nenhum pudor ao chorinho, samba, maxixe, xote e baião. Destaque também para os bem cuidados vocais com Paulinho, Moraes e Baby no comando. Detalhe interessante: os Novos Baianos com Baby Consuelo (agora, Baby do Brasil) e a banda californiana Jefferson Airplane, com a cantora Grace Slick dividindo os vocais com Marty Balin, Jorma Kakonen e Paul Kantner, são dois grupos que quebraram a supremacia das vozes masculinas no universo do rock and roll.
“Vou mostrando como sou
e vou sendo como posso
jogando meu corpo no mundo
andando por todos os cantos
e pela lei natural dos encontros
eu deixo e recebo um tanto
e passo aos olhos nus
ou vestidos de lunetas
passado, presente
participo sendo o mistério do planeta”
Mistério do Planeta – Galvão e Moraes Moreira
Os anos se passaram e a banda começou a se separar. O primeiro a sair foi Moraes e, gradativamente, cada um foi cuidar de sua carreira solo. Anos depois, em 1998, voltaram a se reunir. Produziram novas composições que apresentaram no show Infinito Circular realizado com sucesso em várias cidades brasileiras. Com alguma frequência tocavam juntos, mas nunca mais ressuscitaram o jeito novobaiano de ser. Nesses tempos cabeludos, cada um ia se virando como podia.
As aves começaram a bater as asas: em 2020, Moraes Moreira morre de infarto no coração. Antes dele, em 2019, João Gilberto já partira. Em 2022 é a vez de Luiz Galvão que falece em São Paulo em decorrência de várias doenças, dentre elas a diabetes. Seja como for o som e o sonho novobaiano não tem data pra se acabar, “no swing na graça, não é brincadeira, lá vem o Brasil, descendo a ladeira”.
Revisão: Hilário Rodrigues
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