Janis Joplin, a rainha do rock
Crônicas Musicais

Janis Joplin, a rainha do rock

CRÔNICAS DA ERA DO ROCK – Por Rodrigo Leste – 7ep

Uma pérola, com voz de cristal,

pode quebrar muitas vidraças.

Se Stevie Ray Vaughan tivesse encontrado Janis Joplin

seria amor à primeira vista,

ou ao primeiro dueto: vozes e guitarras.

Além do virtuosismo musical,

ambos caprichavam nos figurinos extravagantes,

modelito hippie chic, dandy, cigano.

Uma profusão de boás, echarpes, chapéus com muitas plumas,

braceletes, colares, pulseiras e anéis.

Mas pra Janis, assim como pra Stevie,

se pavonear era só um componente da performance,

os requintes artísticos e musicais

iam muito além das posturas excêntricas.

Quem fecha os olhos e escuta Janis cantar,

não consegue ver senão uma mulher negra

vertendo os blues mais doloridos,

entoados nas plantações de algodão do Mississipi.

Sim, ainda que estivesse revestida por branca pele,

nas veias da cantora só poderia correr sangue negro.

Africana memória genética

ecoando na voz que remete a antigas negras cantoras

como Odetta, Billie Holiday,

Sister Rosetta Tharpe ou mesmo Big Mama Thorton.

Janis investiu sua voz

contra as portas fechadas do universo machista do rock,

abrindo caminhos que a conduziram ao protagonismo

em palcos sempre dominados por homens.

Apostou todas as fichas no cassino do amor

tentando encontrar alguém capaz

de colar os pedaços do seu coração destroçado.

E foi justamente no Brasil,

mais exatamente na praia de Ipanema,

onde Janis conheceu o americano David Niehaus,

que poderia ter sido o grande amor de sua vida.

Montados numa moto,

percorreram parte do Nordeste brasileiro,

estiveram na Bahia.

Janis, estimulada por David, conseguiu dar um tempo na heroína.

Porém, de volta aos States, não resistiu

à fissura de injetar o veneno nas veias.

O namorado não aguentou estar ao lado da junkie Janis,

preferiu dar o fora e Janis cantou Cry, Baby

derramando outra vez pedaços do seu coração arruinado.

Quem tirou muita onda,

nessa passagem de Janis pelos trópicos,

foi o roqueiro Serguei, obscuro andrógino de Saquarema,

que cantou aos quatro ventos

a glória de ter vivido um Summertime

nos braços da cantora.

(pra Janis, a mera trepada não representou nada)

“Pérola” para os íntimos,

Janis sempre caminhou no fio da navalha com os olhos vendados.

Investiu contra os ventos da hipocrisia, da moral e

da caretice institucional.

Sua política era feita de atitudes.

Nunca falou em revolução, mas foi totalmente revolucionária

ao lançar granadas de rebeldia e inadaptação

contra o american way of life.

Assim, a verdadeira extravagância de Janis

era usar suas cordas vocais

como se quisesse arrebentá-las.

Era transformar seu corpo num instrumento de mil ressonâncias,

que emite vocais como se fossem a lava de um vulcão em erupção.

Quando Janis soltava a voz,

pássaros flamejantes saíam de sua boca e incendiavam canções.

E tinha jazz no seu canto: seus agudos

remetiam ao sax ensandecido de Charlie Parker.

(É bom lembrar que Gal Costa, nossa excelente cantora,

usou e abusou dos recursos vocais criados por Joplin)

Triste integrante do Clube dos 27*, a Pérola uniu-se aos que

deixaram a vida, quase sempre rendendo-se

aos poderes da heroína, do álcool e da autodestruição consentida

e consumada.

Como diria o poeta Torquato Neto, inspirado em Drummond:

– Vai Janis, anjo torto, desafinar o coro dos contentes.

*O Clube dos 27 é formado por artistas que, por vários motivos,

morreram aos 27 anos. Os mais famosos são Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morrison, vocalista do Doors, Brian Jones, fundador do Rolling Stones, Kurt Cobain, Amy Winehouse e Pete Ham, do Badfinger. Também morreram aos 27 anos Ron “Pigpen” McKernan, do Grateful Dead, o bluesman Robert Johnson, Chris Bell, da banda Big Star, e Alan “Blind Owl” Wilson, do Canned Heat.

Revisão: Hilário Rodrigues

Consultoria Musical: Marcos Kacowicz

Pitacos: João Diniz

Correção na “citação Torquato/Drummond”: Carlos Verçosa

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