Eurípedes, dramaturgo
Teatro Grego Parte2

Eurípedes, dramaturgo

História do Teatro | Eurípedes, dramaturgo

Texto: Cristina Tolentino
cristolenttino@gmail.com

 

Teatro grego, Eurípedes

Medeia anuncia ao coro o propósito de matar os seus dois filhinhos

Medeia anuncia ao coro o propósito de matar os seus dois filhinhos

Em Eurípedes, encontramos a nós mesmos e em suas peças, descobrimos o drama moderno mais de dois mil anos antes de seu nascimento. Nascido em Salamina, de pais abastados, acredita-se que foi amigo de Anaxágora, Protágoras e Sócrates.

Ganhou o primeiro prêmio nos concursos dramáticos apenas quatro vezes e uma quinta, após a sua morte, com uma trilogia que incluiu AS BACANTES. De cerca de noventa peças da sua autoria, restam dezessete tragédias.

Eurípedes foi inicialmente treinado para o atletismo, mas ainda que tenha obtido algum êxito, o futuro mestre da “batalha mental” breve cansou-se da profissão.

Também, é significativo que Eurípedes tenha crescido entre os esplendores da adoração cerimonial. Fila, a aldeia na qual nascera, era renomada por seus templos e, como membro de umas das primeiras famílias atenienses, estava entre os jovens escolhidos que participavam dos serviços.

Eurípedes esteve estreitamente ligado à religião que mais tarde questionaria, permanecendo suscetível aos valores estéticos da adoração religiosa até o fim de seus dias. Seu fascínio como dramaturgo está neste dualismo entre o pensamento e a fantasia, entre a emoção e a razão.

Em sua obra os componentes da tragédia se ampliaram, admitindo o romanesco e mesmo o cômico, com um espírito dos mais alertas que a Antiguidade conheceu.

As Tragédias de Eurípedes

Eurípedes foi o primeiro dramaturgo a dramatizar conflitos internos do indivíduo sem atribuir a vitória final aos impulsos mais nobres. Temos soberbos exemplos de “personalidades divididas” em MEDÉIA, quando a esposa enganada luta entre o amor pelos filhos e o desejo de punir o pai deles, Jasão, matando-os; em ALCESTE, quando Admeto oscila entre amor à vida e a afeição pela esposa, cuja morte é a única coisa capaz de salvá-lo.

Em Hipólito e AS BACANTES, colocam a questão de quão longe pode ir um homem na negação das exigências de alguma força superior como a sexualidade e a liberação emocional sem ser finalmente destruído por ela no momento em que esta afirma o seu poder. Sua persistente crítica social também tocou uma nova tecla. Ao contrário de Sófocles, Eurípedes não manteve uma impassível neutralidade.

Ao contrário de Ésquilo, não se confinou a considerações éticas de caráter geral. Devotou uma peça inteira, AS TROIANAS, aos males do imperialismo e da agressão militar. A guerra que pede sacrifícios tais como a imolação de IFIGÊNIA, que é sacrificada a fim de que as naves possam zarpar para Tróia, suscita sua mais violenta ira e desprezo.

Em HÉCUBA, Eurípedes lança solene aviso ao opressor. Suas vitimas não permanecerão impotentes. Fortemente pressionadas, podem muito bem se tornar demônios de fúria e ódio e em seu desespero poderão tanto destruir quando ser destruídos. Um mundo igualmente obscurecido pelo opressor e pelo oprimido.

Completando sua cruzada, Eurípedes volta-se para os líderes mundanos e celestiais da humanidade, e julga ambos imensamente desprezíveis. O oráculo de Delfos é uma fraude. Apoio, que ordenou a Orestes o assassinato da mãe, é apresentado como inteiramente culpado em ELECTRA, e o mesmo deus é descrito como um insaciável violador e mentiroso em Íon.

Eurípedes é um exemplo clássico do artista incompreendido. Foi muito caluniado e zombado. Sua vida privada foi muitas vezes invadida. Segundo o poeta cômico Filodemo, Eurípedes deixou Atenas porque quase toda a cidade “divertia-se às suas custas”.

Foi para a Macedônia onde faleceu, mas mal tinha acabado de morrer e já todo o mundo helênico o havia reivindicado, colocando-o ao lado de Sócrates, como o mais sábio dos gregos.

AS BACANTES tem uma tradição singular entre as tragédias que a Grécia deixou. Escrita na Macedônia, é por muitos títulos a sua obra mais importante. Não só pela sua extraordinária força, como também por ser a única tragédia sobrevivente que explora um episódio da mitologia dionisíaca, a vingança do deus sobre Penteu, que é despedaçado pelas bacantes em delírio, repetindo o conflito imemorial entre a razão e as forças irracionais do êxtase e da liberação religiosa.

Nesta obra Eurípedes parece convencido de que a razão tem suas limitações, de que o racionalismo não pode esgotar inteiramente a verdade sobre o homem ou a natureza e nem sempre pode superar as irrupções irracionais. Esta tragédia simbólica foi o testamento final de Eurípedes, revelando no autor de AS BACANTES tanto um realista quanto um poeta de fértil imaginação, um racionalista e um psicólogo, ao mesmo tempo.

O CÍCLOPE, o único drama satírico completo existente, relata o encontro de Odisseu com o canibal Polifemo de um só olho, a quem enganou e cega a fim de poder fugir. O Ciclope está cheio de humor grotesco. No festival de 415 a.C. Eurípedes dava ao mundo a mais nobre de suas peças pacifistas – AS TROIANAS. Um lamento na selva da desumanidade do homem para com o homem que se abre com uma avassaladora sensação de melancolia.

Tróia caiu, seus homens estão todos mortos e seus santuários foram profanados pelos conquistadores que não pouparam ninguém que lá houvesse procurado refúgio. Os deuses estão soturnos e irados e sentem-se tanto mais ultrajados quanto vários deles haviam apoiado os gregos na guerra. Revoltados pela carnificina e impiedade dos vencedores, os deuses lhes pressagiam maus tempos. A cidade é incendiada e as mulheres, que se atiraram ao chão para invocar seus mortos, visto que os deuses permaneceram surdos à oração, são arrastadas para os navios gregos.

Nunca antes foi lançado um grito tão angustiante pela humanidade oprimida; jamais voltaria a ser erguido com tal sustentação no teatro de modo tão uniforme.

As dezessete tragédias de Eurípedes: Alceste, Medéia, Os Heráclidas, Andrômaca, Hipólito, Hécuba, Hércules Furioso, As Suplicantes, Íon, Electra, Helena, As Fenícias, Orestes, As Bacantes, Ifigênia em Áulida, As Troianas e Ifigênia em Táurida.

A morte de Eurípedes e de Sófocles foi também o fim da tragédia como gênero maior. O único nome de algum relevo que ainda surgiu foi o de Agatão, referido por Aristóteles, Aristófanes e Platão.

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