Teatro Contemporâneo | Eugênio Barba e o Teatro Antropológico
Texto: Cristina Tolentino
cristolenttino@gmail.com
Treinamento
“Depois de termos trabalhado durante anos juntos, por muitas horas ao dia, não são mais as palavras, mas talvez só a minha presença que pode dizer alguma coisa”. (Eugênio Barba)
Qual é o seu motor pessoal? Esta é uma pergunta essencial na experiência teatral de Eugênio Barba. Ele diz que é esse motor pessoal que se tem de buscar por trás das ações e das escolhas das pessoas de teatro. Esse motor pessoal é a “temperatura.” Não adianta ter boa vontade, mas carecer de fora motriz. Esse motor está em nosso interior. Não é uma ideia ou uma pessoa, mas compromete cada um na sua totalidade, até as raízes mais profundas de si mesmo.
O treinamento é entendido como aprendizado e pesquisa. O corpo é o material desta pesquisa: “o corpo é meu país”. Como diz Barba: “o único lugar no qual eu sou sempre: não importa onde eu vou, estou sempre em mim, sempre em meu país. Nunca estou no estrangeiro, nem no exílio, quando não estou separado do meu corpo.”
Quando Barba diz corpo, está dizendo desta parte da alma que pode ser percebida por nossos cinco sentidos, a respiração vital, o pneuma, o eu total, os mistérios das potencialidades da vida que encarnamos.
Neste sentido, o treinamento é a procura desta cultural individual (no sentido de indivíduo e não de individualismo) e única de “nosso país”. E para isto é necessário tirar os condicionamentos e os reflexos com os quais estamos acostumados e nos permitir descobrir nossas possibilidades.
“O que chamamos de espontaneidade não são mais que reflexos condicionados, reações que realizamos sem nos darmos conta, automatismos que nos atam e dos quais não podemos nos livrar”, diz Barba.
Treinamento Torgeir Wethal
Treinamento Iben Nagel Rasmussen
Treinamento Toni Cots
O treinamento vai fazer surgir uma arquitetura de tensões, diferentes da técnica cotidiana. Uma rede de tensões que se manifesta no ator, restituindo a unidade do espiritual e corpóreo, do masculino e feminino, do repouso e do movimento.
Barba exemplifica esta experiência da seguinte forma:” existe uma segurança que é resultado da inércia, da entropia e existe uma segurança que é resultado do dinamismo de forças contrárias, das tensões que se confrontam.
Existe a segurança de um monte de pedras esparramadas pela terra. E a segurança do montão de pedras que, através de forças opostas, elevam-se para as alturas, convertendo-se, assim, em arquitetura. A arquitetura ajuda-nos a visualizar esta qualidade das oposições, das tensões, que são as pulsões e o coração de tudo que está vivo.
Os componentes básicos das catedrais são pedras, cujo peso as destinaria a cair na terra. Imprevisivelmente, estas pedras parecem não ter peso, aéreas, como se tivessem uma espinha dorsal para cima, com uma intensidade, uma voz que canta, se eleva, voa. É este o segredo da arquitetura, mas também da “vida” do ator: a transformação do peso e da inércia, por meio do jogo das oposições, em energia que voa.
O teatro, como a arquitetura, é saber descobrir a qualidade das tensões e modelá-las em ações”. Já dizia Gordon Craig: “o teatro é uma arquitetura em movimento.”
O treinamento busca criar esta nova arquitetura de tensões no corpo do ator, uma nova tonicidade. E neste treinamento existe um fator objetivo e um fator subjetivo.
Fator objetivo: autodisciplina, rigor, exercícios, constância.
Fator subjetivo: temperatura interior, motivação pessoal – a necessidade única do ator que vai fundir qualquer técnica.
O equilíbrio entre o fator objetivo e subjetivo “vai decidir a duração do trabalho em grupo, definindo de maneira individual e social, o ator e o grupo com o qual trabalha”. Barba fala de treinamento e não de escola, pois acredita que o treinamento é um encontro com a realidade que se escolheu, “qualquer coisa que se faça, faça-a com todo o seu ser.”
Neste sentido ele distingue “período de aprendizagem” e “relação de aprendizagem”: O primeiro se refere a uma escola teatral, onde múltiplos professores, segundo os horários, seguem o ritmo dos relógios e ensinam múltiplas matérias. O segundo se refere a uma relação de aprendizagem, na qual uma só pessoa se coloca diante de nós para nos transformar em indivíduos, nos ajudar a encontrar o “nosso país”.
Barba nos diz que esta relação “se nutre de amor…” porém, “amor não é só harmonia adocicada. É também aversão repentina, resistência, abandono, desejo de libertação, sensação de afogamento e vontade de entrega total, sem defesa. Amor é tudo que não é morno, é tensão.” É a figura do mestre que nos guia ao encontro de nossas próprias respostas. “Um mestre, cuja voz se mistura à voz dos mortos, que nos respondem com nossas palavras.”
Treinamento Roberta Carreri, Julia Varley
Barba fala das tradições teatrais, tanto no Oriente como no Ocidente. Estas tradições que elaboram normas para o comportamento dinâmico do ator e que chamamos de codificação. Este trabalho tem como meta sobrepujar o natural, o espontâneo, o automatismo e a construção de uma nova tonicidade muscular: um corpo dilatado.
“Matar o próprio corpo”, a cultura que o modela e renascer através de novas tensões com a totalidade de suas possibilidades de irradiar vida e de contagiar o espectador. Barba dia que “mata-se o próprio corpo, quando se aprende a utilizá-lo de maneira diferente: uma nova maneira de estar em pé segundo outro eixo de equilíbrio, a caminhar, a locomover-se segundo regras que negam as normas de comportamento cotidiano, como no Teatro Kathakali indiano, a mímica de Decroux, o balé clássico Khon tailandês, o Teatro Nô, o Teatro Kabuki. Esta passagem revela o ator e faz com que o público perceba o bios cênico, uma expressividade anterior à vontade de ser.”
“Os anos de aprendizado, o treinamento”, diz Barba, “permitem ao ator romper as correntes que o atam a um público particular de teatro, linguagem ou cultura. Em outras palavras: permitem ao ator se especializar sem estar especializado”… “a busca de uma técnica pessoal, que é a recusa de toda técnica que especializa.
Uma técnica pessoal capaz de modelar nossas energias, sem permitir que se congelem nessa modelagem. É uma busca de uma temperatura própria”. É o caminho da recusa: a busca de estar sempre em transição, de “não se afundar em um território especializado”.
Para manter esse corpo-em-vida do teatro, é necessário, segundo Barba, alimentar-se de três órgãos.
Treinamento Iben Nagel Rasmussen
Julia Varley em “Talabot”
O primeiro é o órgão do esqueleto e da espinha dorsal, da biologia. É o corpo-técnico que se afasta dos automatismos e do condicionamento da vida cotidiana. É o órgão cuja respiração revela o bios do ator em uma fase pré-expressiva, antes que queira expressar algo. Podemos estudar e analisar esse órgão, desenvolvendo-o conscientemente e transmitindo seu conhecimento aos outros.
O segundo é o órgão da utopia, do não-lugar, que reside nas entranhas e no hemisfério direito do cérebro. São as bússolas e o superego que o mestre ou os mestres implantaram em nós, durante a passagem da técnica cotidiana para a técnica extra-cotidiana do teatro.
É o sentido, o valor, o imperativo categórico que damos, individualmente, ao nosso ofício. A respiração deste órgão faz com que a técnica se afirme e chegue a uma dimensão social e espiritual. É o ethos do teatro, sem o qual qualquer técnica é somente ginástica, destreza corporal, divisão em lugar de unidade. Também sobre este órgão podemos estar atentos e vigilantes, protegê-lo e transmiti-lo.
O terceiro órgão não se pode pegar. É a temperatura irracional e secreta que torna incandescente nossas ações. Poderia chamar-se “talento”. Eu o conheço sob outra forma: uma tensão pessoal que se projeta em direção a um objetivo, que se deixa alcançar e que novamente escapa; a unidade das oposições, a conjunção das polaridades.
Este órgão pertence ao nosso destino pessoal. Se não o temos, ninguém pode nos ensinar”. É o que Barba chama de “motor pessoal”. É esse “motor pessoal”, essa temperatura, que se tem de buscar por trás das ações e das escolhas das pessoas de teatro.
Qual é o seu motor Pessoal?
Teatro e Sentido - Textos de Barba
Abaixo seguem três textos de Barba, que poderão nos fazer re-encontrar o sentido profundo do teatro como um ofício apaixonante de conhecer a nós mesmos, o outro e o mundo e sem o qual o teatro será apenas um entretenimento fugaz e descartável:
A PRIMEIRA AÇÃO
“Katsuko Azuma é uma de minhas colaboradoras no ISTA, Escola Internacional de Antropologia Teatral. É mestra de Buyo, uma dança clássica japonesa. Uma vez por semana, em Tóquio, vai à casa de sua mestra – de quem herdou o nome artístico – para dançar e ouvir seus conselhos. Ao chegar, a primeira coisa que faz é lavar o chão, apesar de ele já estar perfeitamente limpo.
Eu olho Katsuko, uma mestra de 45 anos, internacionalmente reconhecida , que já tem sua própria escola e alunos. Vejo-a executar a primeira ação que efetuou no primeiro dia de sua aprendizagem. É o eterno retorno, a confrontação com a origem do longo caminho que a levou tão longe, até chegar a ser uma mestra que não esqueceu a primeira ação, e a repete sempre, sem falsa modéstia, nem vaidade ferida, como expressão de uma lealdade para com determinados valores.
Ser mestre é permanecer congruente e leal aos valores, dos quais só se é depositário se quer conservar em vida e transmitir. Olho Katsuko e penso: o ator deve afirmar com o hemisfério direito do cérebro que ele é o todo, e sentir com o hemisfério esquerdo que não é nada, e fazer vibrar esta tensão em cada ação – física ou vocal – sobre a cena.
Não tem mesmo que esquecer a origem: nem mesmo de criança. Talvez se compreenderá melhor o que quero dizer quando falar do motor pessoal, da temperatura interior. Meyerhold afirmava que só contratava um ator quando reconhecia no adulto o adolescente que tinha sido.
Perder a adolescência significa perder os sonhos e a rebeldia. Os adultos já não têm sonhos e rebeldias. Por isso colaboram, sabendo ou não, com os generais de óculos escuros, com os primeiros-secretários.
O que importa é o motor. Às vezes, tem-se boa vontade, mas se carece de força motriz. Esse motor sempre está em nosso interior, nunca em nosso exterior. Não é uma ideia ou uma pessoa. Se temos sorte, podemos encontrar alguém com maior experiência, que nos anime a descobrir e que faça andar nosso motor pessoal.
Muitas vezes encontro-me com atores de culturas muito longínquas, dos quais me sinto muito perto. Seu comportamento, a maneira de expressar-se em seu ofício, mesmo o que se cala, me faz pensar que passou por uma experiência semelhante à minha: que as origens, seu primeiro dia, foram marcadas por uma relação”.
CARTA AO ATOR D
(Esta carta foi escrita por Eugênio Barba a um dos seus atores em 1967. É publicada frequentemente em livros e revistas, para ilustrar a visão teatral de seu autor e sua atitude para com um “novo ator”. Foi publicada pela primeira vez no livro Synspunkter om Kunst – Pontos de vista sobre a arte, Copenhaque:1968).
“Frequentemente me surpreende a ausência de seriedade em seu trabalho. Não é devido à falta de concentração ou de boa vontade. É a expressão de duas atitudes.
Antes de tudo, tem-se a impressão de que suas ações não são ditadas por uma convicção interior ou por uma necessidade que deixa sua marca no exercício, na improvisação, na cena que você executa.
Você pode estar concentrado no seu trabalho, não estar se poupando, seus gestos podem, tecnicamente, ser precisos e, no entanto, suas ações continuam sendo vazias. Não acredito no que você está fazendo. O seu corpo só diz uma coisa: obedeço a uma ordem dada de fora.
Seus nervos, seu cérebro, sua coluna não estão comprometidos, e, com uma atitude epidérmica, quer me fazer crer que cada ação é vital para você. Você mesmo não percebe a importância do que quer fazer partícipe os espectadores.
Então, como pode esperar que o espectador fique preso por suas ações?
Como você poderia, assim, afirmar e fazer compreender que o teatro é o lugar onde as convenções e os obstáculos sociais devem desaparecer, para deixar lugar a uma comunicação sincera e absoluta?
Você neste lugar representa a coletividade, com as humilhações que passou, com seu cinismo que é autodefesa, e seu otimismo, que é a própria irresponsabilidade, com seu sentimento de culpa e sua necessidade de amar, a saudade do paraíso perdido, escondido no passado, na infância, no calor de um ser que lhe fazia esquecer a angústia.
Todas as pessoas presentes nesta sala ficariam sacudidas se você efetuasse, durante a representação, um retorno a estas fontes, a este terreno comum da experiência individual, a esta pátria que se esconde. Este é o laço que o une aos outros, o tesouro sepultado no mais profundo do nosso ser, jamais descoberto, porque é nosso conforto, porque dói ao tocá-lo.
A segunda tendência que vejo em você é o temor de levar em consideração a seriedade deste trabalho: sente uma espécie de necessidade de rir, de distrair-se, de comentar humoristicamente o que você e seus companheiros fazem.
É como se quisesse fugir da responsabilidade que sente, inerente à sua profissão, e que consiste em estabelecer uma relação e em assumir a responsabilidade do que revela. Você tem medo da seriedade deste trabalho, da consciência de estar no limite do que é permitido. Tem medo de que tudo aquilo que faz seja sinônimo de fanatismo, de aborrecimento, de isolamento profissional.
Porém, num mundo em que os homens que nos rodeiam já não acreditam em mais nada ou pretendem acreditar para ficarem tranqüilos, aquele que se afunda em si mesmo para enfrentar a sua condição, a sua falta de certezas, a sua necessidade de vida espiritual, é tomado por um fanático e por um ingênuo. Num mundo, cuja norma é o enganar, aquele que procura “sua” verdade é tomado por hipócrita.
Deve aceitar que tudo no que você acredita, no que você dá liberdade e forma no seu trabalho, pertence à vida e merece respeito e proteção. Suas ações, na presença da coletividade dos espectadores, devem estar carregadas da mesma força que a chama oculta na tenaz incandescente, ou na voz da sarça ardente. Somente então, suas ações poderão continuar a viver no espírito e na memória do espectador, poderão fermentar conseqüências imprevisíveis.
Enquanto Dullin jazia em seu leito de morte, seu rosto se retorcia assumindo as máscaras dos grandes papéis que viveu: Smerdiakov, Volpone, Ricardo III. Não era só o homem Dullin que morria, mas também o ator e todas as etapas de sua vida.
Se lhe pergunto por que escolheu ser ator, me responderá: para expressar-me e realizar-me. Mas que significa realizar-se? Quem se realiza? O gerente Hansen que vive uma existência respeitável, sem inquietudes, nunca atormentado por estas perguntas que ficam sem respostas?
Ou o romântico Gauguim que, depois de romper com as normas sociais, terminou sua existência na miséria e nas privações de uma pobre aldeia polinésia, Noa-Noa, onde acreditava ter encontrado a liberdade perdida? Numa época em que a fé religiosa é considerada como neurose, nos falta a medida para julgar o êxito ou o fracasso de nossa vida.
Sejam quais foram as motivações pessoais que o trouxeram ao teatro, agora que você exerce esta profissão, você deve encontrar um sentido que vá além de sua pessoa, que o confronte socialmente com os outros.
Somente nas catacumbas pode-se preparar uma vida nova. Esse é o lugar de quem, em nossa época, procura um compromisso espiritual se arriscando com as eternas perguntas sem respostas. Isto pressupõe coragem: a maioria das pessoas não tem necessidade de nós. Seu trabalho é uma forma de meditação sobre si mesmo, sobre sua condição humana numa sociedade e sobre os acontecimentos de nosso tempo que tocam o mais profundo de si mesmo.
Cada representação neste teatro precário, que se choca contra o pragmatismo cotidiano, pode ser a última. E você deve considerá-la como tal, como sua possibilidade de reencontrar-se, dirigindo aos outros a prestação de contas de seus atos, seu testamento.
Se o fato de ser ator significa tudo isto para você, então surgirá um outro teatro; uma outra tradição, uma outra técnica. Uma nova relação se estabelecerá entre você e os espectadores que à noite vêm vê-lo, porque necessitam de você.”
SER E PARECER (Barba e Stanislawski)
“Como pode um ser irradiar esse bios cênico que faz vibrar a presença do ator e tornar densa sua relação com o espectador?
Uma vez mais confronto-me com Stanislawski e pergunto-lhe. Mas os mortos enviam de volta nossas próprias palavras. E assim Stanislawski me fala, porque tudo o que fez, tudo o que criou, fez e criou para mim. Sou seu filho. Todos somos seus filhos. Os homens do teatro ocidental não descendem do macaco, mas de Stanislawski.
Pergunto-me: como era este pai? Como chegou a ser o que é, marcando assim a história? Não me bastam as teorias nem os fatos conhecidos. Quero penetrar até o mais profundo do nó, até aquilo que o inquietava e que o fazia único. Seus ferimentos ocultos, suas obsessões pessoais. Seu motor secreto.
Mas, quais eram as obsessões de Stanislawski, esse rico proprietário de uma fábrica de tecidos que fazia teatro amador, e que, com a idade de 35 anos, decidiu consagrar-se inteiramente à profissão e fundou o Teatro de Arte? Por que alguém toma uma decisão semelhante nessa idade? Que necessidades íntimas, que desejos imperiosos o impulsionaram a este giro existencial, fazendo-o mudar até seu sobrenome.
Ele buscava a verdade no palco, como sinceridade total, como autêntica vitalidade. O ator não deve “parecer” o personagem que representa. O ator deve ser o que representa. Essa é a palavra chave: ser, tornar-se unidade, indivíduo, indivíduo, não-dividido. Ele odiava no teatro “o teatro”, os signos mecânicos de um sentimento ausente.
Segundo suas próprias palavras: “O teatro é meu inimigo”. Igualmente seu inimigo era o ator, o homem que mostrava exteriormente o que não sentia interiormente. Queria chegar a um estado criativo, no qual o ator estivesse animado por uma concentração total de toda sua natureza moral e física.
Seus resultados, a maneira de consegui-los constituem sua busca. A mim e a todos nós legou a pergunta: Como se alcança essa concentração total de toda nossa natureza moral, espiritual e física? Mais ainda: Como ser, como converter-se em in-divíduo através e dentro do teatro?
No começo do século, Stanislawski já era famoso. Tinha seus seguidores, tinha feito escola. Mas não se sentia satisfeito. Abandonou seu teatro, abandonou seus colaboradores, os louvores e a segurança econômica e retirou-se para um pequeno povoado finlandês, para dedicar-se à sua obsessão: como chegar cada noite ao estado criativo; como dar o máximo, o melhor de si mesmo. No fim de um longo e sombrio inverno na Finlândia, regressou a Moscou com o embrião do “sistema”, o famoso “se mágico”.
Se olho através das frágeis palavras que constituem a superfície opaca anônima das teorias, se sondo as profundidades do “sistema”, de seus exercícios e de suas indicações, entrevejo um homem com a atenção fixa em suas inquietudes, tratando de apreendê-las, de encontrar respostas e traduzir esta resposta em ações.
Se estou influenciado por Stanislawski, não é porque suas teorias – isto é, suas respostas – tenham me marcado. Mas porque herdei algumas de suas obsessões: como preservar a própria dignidade, na vida e no teatro, quando se luta não só contra seus próprios demônios, mas também contra forças obscuras e tangíveis que existem no exterior? E como ser, alcançar a unidade de tudo aquilo que somos, em cada ação que realizamos, em cada palavra que pronunciamos e não somente no contexto escolhido do teatro?”
(textos retirados do livro: BARBA, Eugênio. Além das Ilhas Flutuantes. São Paulo, Editora Hucitec, 1991.)
Percorrendo o caminho de Barba… e não só de Barba, mas como ele mesmo disse, de todos estes mestres que são “herança de nós para nós mesmos”, podemos perceber que o que nos une, não são os “métodos”, “sistemas”, “técnicas”, “exercícios” ou qualquer outro nome dado ao inominável, mas esta busca inquietante, não só de um momento, mas de toda uma vida, desta unidade de tudo o que somos colocada no ato da representação, da ação cênica: “porque herdei algumas de suas obsessões: como preservar a própria dignidade, na vida e no teatro, quando se luta não só contra seus próprios demônios, mas também contra forças obscuras e tangíveis que existem no exterior? E como ser, alcançar a unidade de tudo aquilo que somos, em cada ação que realizamos, em cada palavra que pronunciamos e não somente no contexto escolhido do teatro?”
É este desejo imperioso que nos alimenta e nos faz continuar acreditando na força do teatro, enquanto OBRA DE ARTE TOTAL.