Do Rito Primitivo ao Nascimento do Drama II
História do Teatro

Do Rito Primitivo ao Nascimento do Drama II

História do Teatro | Do Rito Primitivo ao Nascimento do Drama II

Texto: Cristina Tolentino
cristolenttino@gmail.com

 

Ritos de passagem

Um feiticeiro do Cameron usando uma máscara de leão. Ele não finge ser um leão; está convencido de que é um leão. Ele partilha uma “identidade psíquica” com o animal – identidade existente no reino do mito e do simbolismo.

O homem “racional” moderno tentou livrar-se deste tipo de associação psíquica (que no entanto subsiste no seu inconsciente); para ele, uma espada é uma espada e um leão é apenas o que o dicionário define.

Os ritos de passagem também eram de fundamental importância para a organização da vida em comunidade: o ingresso de novos adultos na tribo requeria ritos de iniciação e a cerimônia mostrava o adolescente morrendo como criança e renascendo como homem.

Iniciação de circuncisão entre os aborígenes
Iniciação de circuncisão entre os aborígenes

Iniciação de circuncisão entre os aborígenes

Nos primitivos rituais de iniciação, o menino é arrancado da infância, e seu corpo é marcado com cicatrizes. Então ele passa a ter o corpo de um homem. Não há como voltar à infância, depois de um espetáculo desses.

Nessa complexidade de rituais podemos perceber o conteúdo do teatro ampliando-se e sua estrutura tomando forma.

Ação e imitação no início, amplia-se para uma luta central – a batalha entre a boa e a má estação, entre a vida e a morte.

Esta luta vai se traduzir no teatro como o princípio dinâmico do drama – O CONFLITO. Apenas um elemento é necessário para completar os requisitos mínimos do drama – a TRAMA – que já estava presente de maneira muito simples nos ritos mais antigos: “meu caminho cruzou com o de um animal feroz, ele rosnou e me atacou, agachei-me, joguei minha lança, disparei minha flecha, matei-o e trouxe-o para casa.”

Herói deificado

A TRAMA foi ampliada pela lembrança dos feitos das pessoas que eram objeto dos ritos tumulares e adquiriu maravilha e estatura quando os espíritos da vegetação e os espíritos ancestrais foram dotados de notáveis características. Nasce, neste momento, a MITOLOGIA. O MITO, que suplementado pelo material da SAGA, tornou-se o assunto do drama: um deus e a personificação de um poder motivador ou de um sistema de valores que funcionam para a vida humana e para o universo – os poderes do seu próprio corpo e da natureza.

Como disse Joseph Campbell: “os mitos são metáforas (imagem que sugere alguma outra coisa) da potencialidade espiritual do ser humano, e os mesmos poderes que animam nossa vida animam a vida no mundo. O mito nos ensina a penetrar no labirinto da vida de modo que os nossos valores espirituais se manifestem”

(…) “a fonte da vida temporal é a eternidade. A eternidade se derrama a si mesma no mundo.. e a ideia mítica, do deus que se torna múltiplo em nós. Identificar-se com esse aspecto divino, imortal, de você mesmo, é identificar-se com a divindade.”

Na sua evolução, a história dramatizada passa a compreender personalidades individualizadas que viveram, trabalharam, atingiram a grandeza, sofreram e morreram ou, de algum modo, triunfaram sobre a morte.

O deus ou herói deificado entrou no teatro com segurança e sua personalidade e importância eram exaltadas e honradas por todos os recursos que o teatro primitivo conseguia concentrar.

As peças que assim se materializaram eram chamadas de “PAIXÔES” e surgiram inicialmente no Egito e na Mesopotâmia.

O herói do drama egípcio era Osíris, herói deificado, deus do cereal, espírito das árvores, patrono da fertilidade e senhor da vida e da morte.

Nas “PAIXÕES” representadas em honra de Osíris, os detalhes dos lamentos por sua morte, do encontro do corpo, de sua devolução à vida e das jubilosas saudações ao deus ressuscitado, eram tratados com grande pompa.

A peça converteu-se em parte de um festival grandioso e esfuziante que durava dezoito dias e iniciava-se com uma cerimônia de aradura e semeadura.

Magia e Ritos

Os dramas sírios giravam em torno da figura de Tamuz ou Adônis, deus das águas e das colheitas, que deviam sua abundância aos rios da Mesopotâmia.

As “Paixões” de Osíris e Tamuz promoveram progressos fantásticos no teatro: o RITUAL mais elaborado do deus introduziu cortejos e procissões, imagens, quadros e objetos de cena (como o barco de Osíris que era atacado por seus inimigos).

A dura tarefa de organizar a “PAIXÃO” tornou-se cada vez mais uma especialidade e finalmente acabou por passar dos sacerdotes para os LAICOS. E desde que os heróis dessas “Paixões” eram indivíduos definidos, o teatro deu um passo rumo a INTERPRETAÇÃO INDIVIDUAL.

Depois das “Paixões”, houve mais dois acréscimos a fim de preparar o drama para a importante posição que ocuparia em tempos posteriores: heróis completamente humanos e diálogos, que se desenvolveriam na Grécia.

Tal como seus companheiros no Egito e na Síria, o grego primitivo estava mergulhado na magia e no ritual. O retorno da primavera era antecipado e celebrado de inúmeras formas: uma delas era a representação do levantamento do espírito da terra – Perséfone – que no mito familiar é arrastada para o mundo subterrâneo por um tremendo amante – Plutão – ou a morte.

Em Delfos, para propiciar a chegada da estação fértil, os gregos queimavam uma boneca – “Charila” – a Virgem da Primavera e doadora de graças.

Mas possivelmente a mais importante influência ritual sobre o teatro subseqüente estaria centrada na figura de Dionísio, que era reconhecido sob diversos nomes: Espírito da Primavera, Deus do Renascimento, Deus Touro, Deus Bode… Como deus do vinho, o mais comum de seus títulos, apenas exprimia um aspecto simbólico de sua divindade energética.

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