Vanguardas Artísticas | Dadaísmo na Alemanha
Texto: Cristina Tolentino
cristolenttino@gmail.com
Primeiro Manifesto
Em Berlim, o primeiro manifesto dadaísta foi proferido por Huelsenbeck (que participou de dadá em Zurique), no salão da Nova Secessão, em fevereiro de 1918. Ele disse que o objetivo daquele evento era uma manifestação de simpatia pelo dadaísmo internacional, fundado há dois anos em Zurique.
No seu discurso ele disse que “o manifesto é uma forma literária na qual se podem injetar muitas das nossas sensações e diversos dos nossos pensamentos”. Desta maneira Dadá teve o seu início oficial em Berlim.
Em abril de 1918 foi impresso o primeiro manifesto dadaísta:
“A arte depende, em sua execução e direção, do tempo em que se vive, e os aristas são os criadores da sua época…Os melhores artistas, os mais inauditos, serão aqueles que, a todo momento, retomarão as beiradas dos seus corpos no fragor das cataratas da vida e, perseguindo a inteligência do tempo, sangrarão das mãos e do coração. O expressionismo acaso satisfez nossa espera por uma arte que fosse a decisão dos nossos interesses vitais?
Não! Não! Não!
O expressionismo acaso atendeu nossa espera por uma arte que queime a essência da vida na carne?
Não! Não! Não!”
(…)
“Os signatários deste manifesto se reuniram sob o grito de combate
DADÁ!!!
Para a difusão de uma arte que realiza as novas idéias….”
Raoul Hausmann, Cabeça Mecânica, 1919-1920. Madeira, couro e alumínio.
George Grosz, Procissão Fúnebre. Dedicada a Oscar Panizza, 1917. Òleo s/ tela, 140 x 110
John Heartfield, Fotomontagem dadá, 1920
Primeira fotomontagem
São os dadaístas em Berlim que inventam a fotomontagem, nome encontrado de comum acordo por Grosz, John Hartfield, Baader, Hoech e Hausmann. Hausmann define o caráter da novidade e os seus desenvolvimentos:
“Os primeiros criadores da fotomontagem, os dadaístas, partiam do ponto de vista, para eles incontestável, de que a pintura do período de guerra, o expressionismo pós-futurista, havia fracassado por causa da sua não-objetividade e da sua falta de convicção, e que não apenas a pintura, mas todas as artes e as suas técnicas tinham necessidade de uma mudança revolucionária fundamental para permanecer em relação com a vida da sua época.”
“Os membros do Clube Dadá não estavam naturalmente interessados em elaborar novas regras estéticas, segundo as quais ter-se-ia realizado a arte. Antes de mais nada, eles se preocupavam com as atitudes excitantes do novo material e, através dele, da renovação das formas do novo conteúdo…”
(…) “…a ideia da fotomontagem é revolucionária quanto ao seu conteúdo; sua forma é subversiva quanto à aplicação da fotografia e dos textos impressos que, juntos, se transformam em filme estático.”
“Os dadaístas…foram os primeiros a se servir da fotografia como material para criar, com a ajuda de estruturas bastante diversas, uma nova entidade que arrancava do caos da guerra e da revolução um reflexo óptico intencionalmente novo…”
(…) “A fotomontagem impôs a consciência de que o elemento óptico oferece possibilidades extremamente diversas. Permite elaborar as fórmulas mais dialéticas, devido ao antagonismo das estruturas e das dimensões, a exemplo do áspero e do liso, da vista aérea e do close-up, da perspectiva e da superfície chata.”
(colocação de Hausmann no Museu das Artes e Ofícios, em 1931, durante a exposição histórica da fotomontagem).
Os dadaístas, que tinham inventado o poema estático, o simultâneo e o puramente fonético aplicaram os mesmos princípios à representação plástica.
Sabiam que a fotomontagem encerrava uma grande força propagandista, que a vida contemporânea não tinha coragem de desenvolver e acolher. O domínio de aplicação da fotomontagem é, sobretudo, a propaganda e a publicidade.
Uma das características de dadá foi o romper as barreiras dos gêneros literários e artísticos. O quadro-manifesto-fotografia foi o resultado obtido na direção dessa busca, como as poesias-desenhadas, a impressão tipográfica figurativa, os poemas fonéticos.
Sobre o dadá em Zurique, Hans Richter escreve: “O Dadá de Berlim não se distinguiu do Dadá de Zurique apenas pela nota política e pelas formas de expressão na pintura e literatura lá descobertas.
Enquanto o Dadá de Zurique, na Suíça, mais tranquila, se mantinha numa espécie de equilíbrio psíquico, a situação febril em Berlim favorecia a rebelião.
Motivos para dadá em Berlim
Sobre o Dadá em Berlim pairam a desgraça e as vantagens de uma neurose. Havia vários motivos para tanto:
- a matança sem sentido durante a guerra, que durou quatro anos, e durante a qual em ambos os lados morreram muitos amigos;
- o insucesso de uma revolução que na época se alastrava por todas as esquinas;
- a oposição reprimida por tanto tempo;
- desespero, ódio e a falta de sucesso moral e prático da maioria dos participantes;
- a pressão de energias comunistas, com cujos slogans as pessoas se identificavam, sem saber exatamente a que isso levaria;
- o exemplo bem sucedido de dada em Zurique, que despertava a vontade de imitar o exemplo;
- finalmente, o vácuo resultante da súbita erupção da liberdade, que prometia tornar tudo possível, contando que a pessoa aproveitasse bem a oportunidade.
Contra forças inimigas
“O vácuo estava aí, as forças não podiam ser refreadas.”
Berlim com uma população esfomeada e desesperada. Havia tiros nas ruas e disparos dos telhados. Os dadaístas, em Berlim, viviam neste contexto e se lançaram politicamente sem inibições, com audácia, irreverência e entusiasmo pela liberdade individual máxima.
Como diz Hans Richter: “Enquanto numa esquina de Berlim os marinheiros defendiam a cavalariça imperial contra tropas “fiéis ao imperador”, na outra os dadaístas forjavam os seus planos. Quando a cavalariça foi tomada, iniciou-se um tiroteio na Esta Anhalter. Conselho de soldados, conselho de trabalhadores, reuniões e confraternizações! Era a aurora de uma nova época e Dadá julgava ter a responsabilidade de colocá-la em ordem e, ao mesmo tempo, desconjuntar a outra, que findava.
O ponto culminante do movimento dadá em Berlim foi a Primeira Feira Dadá Internacional, realizada em 1920. Obras políticas provocadoras, expressando o ódio contra as autoridades. Do teto pendia empalhado, um oficial alemão com uma cabeça de porco e com os seguintes dizeres: “Enforcado pela revolução”.
Exposição dadaísta em Berlim
Max Ernst, Oedipus Rex, 1922. Óleo s/ tela, 89 x 117
Max Ernst, Elefante Celebes, 1921. Óleo s/ tela, 130 x 110
Sobre Max Ernst
Na cidade de Colônia, em 1919, Arp (que participou do movimento em Zurique) uniu-se a Johnnes Baargeld e Max Ernst.
Produziam colagens (Arp e Max Ernst) e distribuíam periódicos radicais e antipatrióticos (revista “O Ventilador” – fundada por Baargeld).
Sobre Max Ernst, disse Breton: “Lembro-me bem do dia em que Tzara, Aragon, Soupault e eu descobrimos pela primeira vez as colagens de Max Ernst. Estávamos todos na casa de Picabia, quando eles chegaram de Colônia (1921).
Estas colagens nos emocionaram de uma maneira como nunca mais experimentamos. O objeto externo estava deslocado de seu derredor normal. Suas diversas partes tinham se libertado do contexto concreto, de tal forma que podiam estabelecer relações completamente novas com outros elementos”.
E completa Hans Richter: “Partes de máquinas tornam-se seres humanos, tornam-se objetos que se movem, flutuam ou se imobilizam num espaço mecânico. Tanto suas colagens quanto seus quadros são constituídos por tais “combinações”. Elas produzem um mundo de monstros que, animado por novas técnicas de pintura, se torna mágico através de suas mãos.”
Movimento antecede o surrealismo
Um dos eventos mais marcantes de Dadá em Colônia foi uma exibição no pátio interno da cervejaria Bräuhaus Winter. Para chegar até o pátio era necessário atravessar os banheiros. Na entrada, uma moça com um vestido de primeira comunhão recitava poemas obscenos.
No meio do pátio, erguia-se uma escultura em madeira de Ernst, tendo ao lado um machado preso a ela e um convite solicitando a sua destruição. Num canto, um aquário cheio de um líquido vermelho como sangue, com um despertador no fundo, uma cabeça provida de cabeleira flutuando em cima e a mão de um boneco de madeira saindo para fora.
Em volta estavam penduradas fotomontagens de caráter sacrilégio, escandaloso e sexual. Por várias vezes, os visitantes enfurecidos, destruíram o local, até que a exposição foi proibida pelas autoridades.
A corrupção do pós-guerra e a decadência dos costumes apareciam nessas manifestações em que o humor sarcástico dos dadaístas suscitava a ira dos conservadores.
A obra de Max Ernst denominada dadaísta até 1923, passa a ser denominada de surrealista a partir de 1924, quando do surgimento do surrealismo.
Podemos concluir que Dadá foi um movimento genuinamente internacional. O efeito global do dadaísmo correspondeu ao excesso de energia que cada participante do movimento dadá investiu pessoalmente nele. Cada dadaísta trouxe algo diferente a Dadá e saiu dele com uma visão diversa do movimento.
O certo é que os “estilhaços da bomba alteraram para sempre a face da arte”. (Dawn Ades)