A ZORRA – Tem rock and roll em BH
Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste
Eram garotos belorizontinos que, como eu, amavam os Beatles e os Rolling Stones. Montamos um show, um musical, chamado A Zorra. Era uma feira, uma mostra de bandas, cantores e compositores. Não era um movimento, não se publicou um manifesto. Era um ajuntamento de diversas tendências que se revezavam no palco apresentando composições autorais. Nós, da turma mais da guitarra do que do violão, tentávamos fazer com que a coisa caminhasse pro lado do rock and roll. Salvo engano, A Zorra aconteceu nas noites de segunda feira no Teatro Marília, em BH, nos idos anos de 1970, quando a ditadura militar controlava o país com mãos de ferro. Talvez por ingenuidade ou ignorância não nos atentamos aos enormes perigos que corríamos nos metendo a promover aglomerações que traziam forte conteúdo político, além de claras manifestações contrárias ao regime. Foi tudo intempestuoso, porraloca mesmo. Resolvemos fazer e fizemos.
Apresentaram-se bandas como Haystack’s Needles, comandada pelo baixista e vocalista Melão, com o bem-humorado Marcio Gordo na guitarra solo, Reif na batera e Celso na outra guitarra, um formato de quarteto, como os Beatles. Atacou também o Tarte’s Company, rapaziada do bairro de São Geraldo, BH, com Aristóteles, o Ari, na guitarra e vocais, Wander Lima no baixo. Não me lembro do nome do batera. O empresário do grupo era o Alvino, mais conhecido como Embaixador. Fernando Bocca, que tocava bateria na banda do Melão, decidiu partir para uma carreira solo e passou a compor e a cantar, tocando violão e guitarra. Na Zorra, ele apresentou uma parceria nossa:
Às Beiras
Baby, it’s all right, I love you.
Pelas cidades que atravessei,
das estrelas do céu que já contei,
dos sonhos, dos amores que sonhei,
me desespero, mas não espero,
não tenho tempo,
estrangulado aqui nesse apartamento
às beiras dessa loucura,
às beiras dessa procura,
eu preciso é sobreviver
(Às Beiras, Rodrigo Leste e Fernando Bocca)
Che Guevara exibia o seu vitorioso sorriso revolucionário, acendia outro charuto e erguia o punho cerrado para o delírio da galera. Nesse instante estava no palco Sirlan cantando seu grande sucesso: Viva Zapátria, parceria dele com Murilo Antunes.
“…Viva Zapátria, saudou esse meu senhor
Beijos, abraços, ano um chegou
Salve Zapátria, ê, viva Zapátria, ê
Esta cidade foi uma herança só.
Viva Zapátria, saudando o senhor
Horizonte aberto onde estou
Esta América mãe onde estou.”
O Clube da Esquina, nesta época, ainda não era a marca reverenciada de hoje. Eram garotos que amavam a música, seja de violão, piano e outras bossas tocadas com a refinada harmonia que os consagrou. Milton Nascimento surgiu com um vozeirão colossal, uma musicalidade ímpar e, em parceria com letristas do naipe de Fernando Brant, Márcio Borges e Ronaldo Bastos, compôs e interpretou belezas que puseram Minas Gerais no estrelato, dialogando com o eixo Rio-São Paulo e os baianos que desde João Gilberto ocupavam lugar de destaque no cenário nacional. Lembro ter visto Marcio Borges marcando presença na plateia, contemplando A Zorra, acompanhando as tendências ali representadas. Lô Borges, que depois gravou música minha em parceria com Paulinho Carvalho — Olha o Bicho Livre, Beto Guedes e Toninho Horta bem que poderiam estar naquele palco, mas não rolou o contato e A Zorra não contou com suas importantes presenças. Quem marcou presença no evento foi o poeta e letrista de sucessos como Nascente (com Flavio Venturini) Murilo Antunes, com quem até hoje mantenho boa amizade.
A Zorra não teve vida longa mas serviu para aproximar músicos, letristas, compositores de diversos segmentos, naquele momento tão delicado da história do Brasil. Claro que faltou muita gente, mas representativo número de artistas deu o ar da graça. Alguns continuaram, outros seguiram caminhos diversos. A música popular e o rock de BH vão guardar lembrança dos que já partiram como Marco Antônio Araújo, Fernando Bocca, João Boa Morte, Paulinho Carvalho, Abner do Nascimento, Fernando Brant, o guitarrista Fernandinho Rodrigues, o cantor e compositor Renato Guima (do Lombinho com Cachaça), o baterista Mário Castelo, o flautista Dadado Prates e muitos outros (me ajudem a lembrar). Todos e cada um fizeram a história da música pop em BH, todos importantes e memoráveis.
Ilustração: Ruy Izidoro
Pitacos: João Diniz
Revisão e pitacos: Hilário Rodrigues
Colaboração midiática: Rodrigo Chaves de Freitas
@caleidoscopiobh (Portal Cultural Caleidoscópio)
Consultoria Musical: Marcos Kacowicz
Para conhecer mais os filmes de rock no cinema, acesse: www.caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/historia-do-rock-no-cinema/
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