AS VITROLAS DA JAMAICA
— Não vá!
Na Ilha de San Andrés, repetiram:
— Não vá!
Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste
E eu, apesar dos avisos, fui. Fui pra Jamaica, a mítica ilha de antigas histórias, berço do Ska e do Reggae. Isso aconteceu há muito tempo atrás e a má fama jamaicana devia-se à violência que rolava descontrolada no país. As vozes colombianas cheias de medo e advertências, ainda não conheciam a assombrosa escalada de violência promovida tanto pelas guerrilhas, que desafiavam o poder, quanto pelas temerárias ações de narcotraficantes como Don Pablo Escobar.
Na Jamaica, homens e mulheres de pele branca eram (não sei como está a situação por lá agora) caça. Você não podia colocar os pés fora do portão do hotel. De imediato, lá estava, de plantão, o cara que te abordava sempre oferecendo o “bom” bagulho da ilha ou, então, aventuras sexuais com garotas que sabiam fazer diabruras em orgias vudu. O otário que aceitava as propostas, era levado pras quebradas onde, na melhor das hipóteses, seria apenas roubado, sendo deixado nu e ao Deus dará. Mas o pior, e tragicamente corriqueiro, é que muitos crimes eram de latrocínio (a palavra em si já é baixo astral) e os jornais locais estampavam manchetes trazendo o assustador número de mortes: um branco, por dia, estava sendo assassinado, naquela semana em que estive lá!
Por sorte, escapei de me hospedar no centro de Kingstown, um tremendo furdunço, onde a barra era certamente pesada. Fiquei num bairro mais maneiro, apesar dos indefectíveis caras que te assediam de maneira constante e abusada. Pra se livrar deles, você tem que ter calma e firmeza. Dar um chega pra lá na figura na manha, na elegância, e seguir seu caminho sem olhar pra trás. Fiquei numa pousada tranqüila onde, por coincidência também se hospedara um sujeito de São Luis, Maranhão. Ele era vereador e todo ano ia à Jamaica garimpar velhos discos de reggae que reproduzia no seu programa de rádio. Não me lembro do nome dele, mas era uma figura. Ele propôs que fossemos à Embaixada do Brasil para uma visita. Fomos recebidos por um funcionário simpático, um pernambucano da gema, que depois de um bate-papo pontual, pediu que aguardássemos. Pouco depois, ele voltou dizendo que o Embaixador iria nos receber. Sabe por quê? Éramos o raro caso de brasileiros que apareciam lá numa boa, sem levarem pepinos e abacaxis pro chanceler descascar.
O embaixador era um cara afável dos seus 50 anos. Disse que era de Barbacena, e logo, mineiros que somos, nos entendemos muito bem. O papo fluiu de maneira agradável e ele, mui gentilmente, encerrou dizendo que colocaria o carro da embaixada à nossa disposição, no dia seguinte, para que fizéssemos nossas pesquisas culturais com a ajuda do motorista, um nativo que sabia de tudo que rolava por lá.
Dito e feito: na manhã seguinte estacionava uma Mercedes branca com a bandeirinha do Brasil, na porta da nossa pousada. E lá fomos nós, na companhia do motorista uniformizado dar um rolê na capital da Jamaica. Havia por lá várias distribuidoras de Cds (era a moda na época) que revendiam os produtos por um preço muito menor do que os praticados pelas lojas. Passamos em vários desses comércios e fomos percorrendo interessantes quebradas que eram apresentadas pelo guia local. Até um bom bagulho jamaicano o vereador pegou através dos contatos do motorista.
E as vitrolas? Pois é. Foi através do nosso amigo pernambucano da embaixada que fomos apresentados a elas. São eventos populares que acontecem nas ruas de Kingstown. Grandes caixas de som reproduzindo musica jamaicana de qualidade. Gente de todo o tipo e idade reúne-se para dançar de maneira descontraída. Senti que já devia ter sido melhor, mais relax, mas apesar do clima de violência, o pessoal ainda aproveitava pra mexer o esqueleto.
Aproveito pra dar uma dica: procurem pelo som do compositor e trombonista Don Drummond (1934-1969), ícone do Ska. Ele, com a sua banda, Skatalites, fazia uma música excelente que era pura alegria. Os shows aconteciam em locais que lembram as nossas boas gafieiras, numa época ainda romântica, livre das drogas e armas pesadas, tudo em clima de brodagem e descontração. Música de alta qualidade que deu origem ao reggae.
CLIQUE para conhecer a incrível história de Don Drummond
Don Drummond – Greatest Hits (Full Album)
Revisão: Hilário Rodrigues
Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas
Portal cultural Caleidoscópio: siga @caleidoscopiobh
Para ler mais crônicas, acesse: https://www.caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/cronicas-musicais/