Crônica Viola Caipira
Crônicas Musicais

Crônica Viola Caipira

VIOLA CAIPIRA: de Renato Andrade a Roberto Zara

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

Houve uma época em que frequentei muito o Barbazul, botequim famoso na Av. Getúlio Vargas em BH. Certa noite, batia papo com um pessoal, quando me aparece o Roberto Zara, broder das antigas, com quem tinha boa, mas afastada relação. Ele me cumprimenta e me presenteia com o seu CD mais recente: “Instrumental”.

Na capa, uma pintura de outro amigo, o artista plástico Eri Gomes: uma casinha da roça, com muita fumaça saindo pela chaminé; ao lado da casa, um elegante coqueiro espevitado. Sabia que o Zara era músico, mas não tinha ideia do seu estilo musical.

Ouvi o disco e curti demais! Excelente viola caipira com o suporte de belos arranjos que fazem um fundo discreto para que o instrumento sobressaia com elegância. Fiquei admirado: — Um barato!

A boa viola caipira me encanta, principalmente quando tocada por gênios como Renato Andrade. — Se não conhece vale a pena ouvir. — O cara é monstro! A viola em suas mãos alcança sonoridades que desafiam os grandes virtuoses de outros instrumentos. Me arrisco a dizer que Renato é o Rei da Viola Caipira. E olha que temos excelentes violeiras e violeiros nesse imenso Brasil: Helena Meirelles, Chico Lobo, Pereira da Viola, Almir Sater, Tavinho Moura, Roberto Côrrea e outros mais.

E tem mais: RA nascido em Abaeté, MG, traz na veia o sentimento do sertão que ganhou o mundo principalmente através da obra de outro mestre: João Guimarães Rosa, As músicas compostas e executadas por RA dialogam diretamente com a obra roseana; inclusive, uma de suas canções chama-se Sarapalha, que é o título de um excelente conto de GR.

A narrativa aparece no livro Sagarana. Outra de Renato é que ele adorava contar um “causo”. Seus shows eram entremeados por eles, jocosos e bem humorados, sempre passando pela tragicômica figura do diabo que também povoou as páginas de G. Rosa.

Outro dia, em Pouso Alegre, sul de Minas, assisti o show de outro grande violeiro: Ivan Vilela, que além de compor e tocar o instrumento com maestria, é também estudioso da história da viola caipira no Brasil. Ele é professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Em seu livro “História e Cultura no Som da Viola”, Ivan Vilela conta “que a origem das violas pode ser traçada a partir do oud, o alaúde árabe.

Este foi o primeiro instrumento de cordas dedilhadas com braço, no qual as notas podiam ser modificadas, introduzido na Europa. Foi do oud que surgiu a guitarra latina e, depois de várias transformações, as violas de mão portuguesas, que somam quase 800 anos de idade.” Vale a pena dar uma conferida no livro.

Apesar da hegemonia da música (?) de péssimo gosto que está sendo derramada nos ouvidos da população, uma estreita fatia de música de alta qualidade ainda consegue encontrar algumas frestas na muralha de mediocridade que cerca o Brasil e diria, até o mundo inteiro.

Através dos streams e de algumas raras frequências de rádio, podemos encontrar música de todo tipo (do clássico, passando pelo contemporâneo, até o popular) e de bom gosto, sendo produzida nos quatro cantos do planeta. A esse território de resistência podemos incorporar a boa viola caipira que tem raízes populares bem fincadas no nosso país.

Aí, quando nos deparamos com um artista como o Roberto Zara, o mais jovem da turma citada, pensamos que nem tudo está perdido. Espero que o Zara seja um dentre muitos! Que o amigo prossiga na pegada da viola caipira seguindo os passos dos grandes mestres e contribuindo para que esta refinada arte nunca deixe de existir.

Revisão: Hilário Rodrigues

Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas

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