Crônica Tim Maia
Crônicas Musicais

Crônica Tim Maia

TIM MAIA E A BLACK MUSIC NO BRASIL

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

Atravessava a pé a Avenida Afonso Pena no coração de BH, bem ali onde estão o Edifício Acaiaca e a Igreja de São José. Parei no sinal de pedestres. Ao meu lado, na maior, estava um cidadão lá dos seus 60 anos ouvindo uma caixa de som que era a imitação de um aparelho de radio antigo. A música, que ele escutava, em volume bem alto, me agrada muito: Mustang Sally, um dos hits da Black Music, na interpretação do The Commitments . Me deu vontade de puxar assunto com esse digno representante da Soul Music brasileira, mas estava carregando um notebook meio pesado na mochila, por isso, preferi seguir na direção do taxi que ia pegar.

Deve rolar em outras cidades, certamente, mas aqui em BH é comum encontrar com a moçada que coloca suas caixas de som em vários espaços públicos e dança ao som dos grandes êxitos da BM. Rola então muito funk (falo do autêntico groove, quase sempre instrumental) e os mais variados estilos de soul music. O pessoal capricha no figurino: ternos elegantes em cores berrantes, vestidos insinuantes de lamê, óculos extravagantes, cabeleiras bem produzidas, sapatos de duas cores e outros requintes com que a turma homenageia seus grandes ídolos: James Brown, Aretha Franklin, Otis Redding e Curtis Mayfield.

Tim Maia, com certeza, é o maior representante brasileiro da BM. Sua obra é marcada por grandes êxitos do estilo musical swingado que ele ajudou a promover aqui, ao sul do equador. Além do seu vozeirão colossal, sua postura, de band leader e o look de bad boy do Harlem, fez com que Tim tenha todas as credenciais para postular a coroa de rei do soul brasileiro.

Mas quem reivindicou a coroa, foi um cantor muito menos conhecido do que Tim: Gerson King Combo (1943-2020). Segundo o jornalista e compositor Raphael Vidigal: “O epíteto de ‘James Brown brasileiro’ era pouco para o imenso talento de King Combo. Irmão de Getúlio Côrtes, autor de ‘Negro Gato’, Gerson soube criar um estilo único para si. A performance, a dançae o visual eram preponderantes. Com roupas exuberantes, coloridas, combinando chapéu violeta com óculos escuros, independentemente de ser dia ou noite, ele animou os bailes das favelas cariocas em plena ditadura militar, influenciado pela militância dos Panteras Negras e a música dos negros norte-americanos. Esteve no auge da Black Rio e, com sua figura imponente, encarnou o orgulho e a insubordinação da cultura negra. Determinado, soube enfrentar o ostracismo, e jamais abandonou a crença na irmandade. A música da alma ficou tatuada na pele de Gerson King Combo, um autêntico Rei tupiniquim.”

Gerson morreu aos 76 anos. Esteve entre os artistas que fizeram parte do Movimento Black Rio, que fazia shows no subúrbio da capital fluminense nos anos 1970 e contava também com nomes como Tony Tornado, Carlos Dafé, Sandra de Sá, Don Salvador, Tim Maia, Tony Bizarro, Lady Zú, Cassiano e Os Diagonais.

Tony Tornado atualmente tem 94 anos e continua na ativa. Tornou-se conhecido através da música Br3. Além disso, protagonizou uma cena que ficou marcada na história da MPB: no Festival de Verão de Guarapari (1971), ele “voou” do palco, caindo em cima de uma espectadora que teve uma das pernas quebradas (Tony devia pesar mais de 100 Kg!). Além da música, Tornado atuou em vários filmes e telenovelas, é figura marcante na vida cultural do país.

Cassiano (1943-2021) pintou como a grande promessa da BM no Brasil. Problemas de saúde (perdeu um dos pulmões) e uma relação conflituosa com as gravadoras impediram que sua carreira arrebentasse. Dentre seus maiores sucessos, destacam-se “A Lua e Eu” e “Coleção”, na sua voz. Primavera (Vai Chuva) e Eu Amo Você, também de sua autoria, foram consagradas nas interpretações de Tim Maia.

Hildon nasceu em Salvador (Ba), está com 73 anos e pode ser lembrado por sua música: Na Sombra de uma Árvore, gravada por Caetano Veloso (“Larga de ser boba e vem comigo…”). Fez sucesso também com Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda e As Dores do Mundo. O artista continua compondo, gravando e fazendo shows.

E claro, não poderíamos deixar de citar a Banda Black Rio que toca o suprassumo do autêntico funk (groove), jazz, fusion, samba, trazendo desde 1976 a essência da Black Music para o Brasil. Swing maneiro, superdançante, sempre fazendo subir a temperatura nos bailes e shows onde aparece. Lançou grandes hits como Casa Forte, Chega Mais e Vidigal.

No último dia 21 de setembro, o Rock in Rio sediou um dos maiores encontros da música brasileira, No palco Global Village, rolou o show Pra Sempre Soul, que reuniu a Banda Black Rio, Hyldon e Claudio Zoli.

A jornalista Claudia Assef resumiu assim:

“O show Para Sempre Soul foi um acerto. Dividido em blocos, a primeira parte trouxe a Banda Black Rio, mostrando seu paredão de suingue e groove num sound system potente e gordo. No segundo bloco, Hyldon foi convidado para cantar alguns de seus hinos. Começando com “Na Sombra de uma Árvore”, o soulman levantou a plateia quando começou a romântica “As Dores do mundo”. Na terceira parte, Claudio Zoli entrou no clima de bailão carioca do bom.”

Vale ainda citar Ed Motta (sobrinho de Tim Maia) que é grande conhecedor da BM e já emplacou hits como Manuel e Vamos Dançar. A artista tem passado por problemas de saúde e andou se metendo em várias polêmicas; dentre elas, meter o pau no Hip Hop. O jornalista Mauro Ferreira fez uma matéria rebatendo as posições do cantor. Num trecho ele diz: “Ao eleger o jazz e a música clássica como referências de músicas para ‘pessoas inteligentes’, Ed se esquece de que o universo pop é tão miscigenado que já há misturas de jazz com hip hop. O rap já se misturou e está em todo lugar.” (Preconceito de Ed Motta contra o hip hop remexe em ferida social que ecoa no Brasil desde que o samba é samba – Mauro Ferreira – G1 – 13/6/24)

O amigo João Diniz me lembrou de Marku Ribas (1947-2013), que nasceu em Pirapora/MG e andou pelas europas fazendo muito som. Produziu um vídeo clip para o álbum Dirty Work dos Rolling Stones, no qual participou também como percussionista. Em seus 50 anos de carreira, lançou 12 álbuns com destaque para “Underground” (1973), “Marku” (1976) e “Barrankeiro” (1977).Como ator, participou do filme Batismo de Fogo de Helvécio Ratton, no papel de Marighella.

Poderia ter escrito mais sobre Tim Maia, porém sua vida e obra já foram bastante debatidas e divulgadas. Quem quiser se aprofundar no tema pode assistir ao filme “Tim Maia” e ler a biografia Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia, muito bem escrita por Nelson Motta.

Tim Maia – filme

Banda Black Rio – Super Nova Samba Funk

Revisão: Hilário Rodrigues

Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas

Portal cultural Caleidoscópio: siga @caleidoscopiobh

Para ler mais crônicas, acesse: https://www.caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/cronicas-musicais/

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