Crônica The Doors
Crônicas Musicais

Crônica The Doors

THE DOORS – Uma temporada no céu e no inferno

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

Não dá pra deixar de afirmar que o The Doors é feito à imagem e semelhança do seu frontman, Jim Morrison. Completo ainda dizendo que ele tem mais importância pra essa banda, do que Mick Jagger tem, por exemplo, para o Rolling Stones — claro, a aura de anárquica rebeldia que envolve a figura de Keith Richards compete com o carisma de Jagger e, além disso, não dá pra esquecer a importância que Brian Jones teve nos primeiros anos do grupo, sendo considerado o seu verdadeiro líder, até a sua trágica e prematura morte. Já no Doors, Morrison domina a cena, apesar da competência musical do restante do grupo. Mas, tanto o magnetismo quanto a beleza do cantor ofuscam totalmente Ray Manzarek, Robby Krieger e John Densmore, que surgem como se fossem parte de uma banda que meramente acompanha o pop star.

O The Doors criou um estilo próprio fundamentado na mistura do blues com o rock psicodélico. O teclado de Ray Manzarek sugere elementos da música clássica, a guitarra de Robby Krieger traz lampejos do flamenco, enquanto Densmore põe pitadas de jazz na bateria (O The Doors, ao contrário de todas as outras bandas, não tinha um baixista em cena. Ray Manzarek tocava as partes do baixo em um teclado do piano). O insólito fica por conta do sucesso alcançado através das letras de Morrison, que subiam muitos degraus em relação ao repetitivo “I love you, baby”, clichê de boa parte do rock e do R&B (Rhythm and Blues). Os versos de Jim são um tanto herméticos, trazendo influências de poetas como Baudelaire e Rimbaud. Aliás é recorrente a comparação entre Jim Morrison e Arthur Rimbaud, ícone da porra-loucura e rebeldia. Chegaram até a dizer que Morrison era a reencarnação do autor de “Uma Temporada no Inferno”, publicado em 1873.

O cineasta Oliver Stone, que realizou excelentes filmes como Platoon e Assassinos por Natureza, resolveu encarar o desafio e produzir um filme sobre a trajetória da emblemática e controversa banda da Califórnia. O ator Val Kilmer, que alcançou sucesso com os filmes A Sombra de um Homem (1970) e Beijos e Tiros (2005), assume de maneira incrível o papel de Jim Morrison. Reza a lenda que Kilmer cantou setenta por cento das músicas que aparecem no filme, sendo sua voz inserida às faixas originais junto com a voz de Jim. Além disso, o ator incorporou de tal forma JM que sua figura passou a se confundir com a imagem original do cantor. E mais: Kilmer conseguiu falar exatamente como Morrison.

Como qualquer obra de arte, The Doors, de Oliver Stone, colheu elogios e também recebeu muitas críticas, inclusive dos sobreviventes da banda. O tecladista Manzarek declarou:

“Tudo o que você vê (no filme) é Jim como um hedonista bêbado. A tragédia é que a fama o consumiu. Mas essa não foi a mensagem de Jim.”

O baterista John Densmore concordou, afirmando:

“Oliver está interessado na personalidade autodestrutiva, criativa e taciturna de Jim. Nunca gostei desse roteiro sombrio.”

Num programa de entrevistas, Val Kilmer narrou algo dos bastidores do filme:

“Eu estava muito dentro do papel de JM, e o diretor Oliver Stone sempre me cobrou para que eu entrasse de cabeça no clima, mergulhasse na onda de Jim Morrison, inclusive quando ele começou a pirar e se degenerar. Aí eu tive uma ideia, pedi a Stone que as minhas roupas (do personagem JM) não fossem limpas e lavadas, justamente para obter aquela mesma sensação ‘hardcore’ não lavada do rock and roll.”

E segundo se soube, Val Kilmer precisou, após o término das filmagens, passar por um tratamento terapêutico para se livrar da “persona” de Morrison e voltar a ser ele mesmo. Coisas de teatro/cinema misturadas com o rock and roll.

Mas não só flores, calcinhas e baseados foram lançadas ao palco do Doors; Frank Zappa se referiu a Morrison como um “idiota furioso”, Janis Joplin acertou uma garrafada na cabeça de Jim quando este a provocou juntamente com Jimi Hendrix nos bastidores de um palco. Já, David Crosby, bateu pesado: “Ele era um cara desagradável. Não era bom nem como cantor, nem como poeta”.

Como existe muita fofoca no mundo do rock, é preciso relativizar esse buchicho e lembrar que sendo um xamã ou não, Jim Morrison e seus parceiros mergulharam nas portas da percepção de Aldous Huxley. Foram do céu ao inferno em voos turbinados por peyote, mescalina e o poderoso LSD, produzido na Califórnia nos velhos e bons tempos do Summer of Love. Assim, podemos revê-los em meio a uma Spanish Caravan, atravessando o deserto de Mojave, ali onde se ergue o túmulo do Unkown Soldier. Nessa jornada cruzam com gente que os faz pensar que People Are Strange, esbarrando em Riders on the Storm, vislumbrando um Cristal Ship navegando na miragem do horizonte, Waiting for the Sun e sentindo que chegavam ao The End.

(Com a colaboração dos sites Loudersound, Rockinthehead e Far Out Magazine)

Revisão: Hilário Rodrigues

Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas

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