SÉRGIO SAMPAIO – Guiando o carro na contramão
Sérgio Sampaio (1947-1994) está sendo esquecido. Enquanto vivo, figurava na nefasta galeria dos que carregam o estigma de “malditos”, ao lado de Jards Macalé, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Itamar Assumpção e vários outros talentos relegados ao ostracismo pela mídia careta e pelas gravadoras, cujas bússolas estéticas sempre apontam para o lucro e nada mais.
Sua obra ganhou sobrevida, agora, quando Nei Matogrosso regravou seu hit: “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”. A emblemática canção replica o sopro de liberdade e exaltação da vida que trazia desde quando foi lançada em 1972, no apogeu da nefasta ditadura militar.
Em outra de suas canções, SS expõe a crua ingenuidade de quem acredita que vai encontrar o seu ídolo Roberto Carlos, aliás, também seu conterrâneo — ambos nasceram em Cachoeiro do Itapemirim, ES —, e a partir desse encontro tudo vai pintar. Na letra, ele imagina que vai apresentar ao “Rei” uma música que seduzirá o líder da Jovem Guarda, fazendo com que ele decida gravá-la, abrindo o caminho do sucesso para o compositor.
“Foi inútil…
Eu juro que tentei compôr
Uma canção de amor
Mas tudo pareceu tão fútil
E agora que esses detalhes
Já estão pequenos demais
E até o nosso calhambeque
Não te reconhece mais
Eu trouxe um novo blues
Com um cheiro de uns dez anos atrás
E penso ouvir você cantar”
(Meu Pobre Blues)
O pai de Sérgio, Raul Gonçalves Sampaio, fabricava tamancos. Além disso, era maestro da banda de Cachoeiro do Itapemirim. SS cresceu em um meio musical, repleto de instrumentos e partituras. Quando tinha 16 anos seu pai compôs a música “Cala a Boca, Zebedeu”, canção que o filho viria a gravar muitos anos depois. Na sapataria de seu pai, SS aprendeu a apreciar as vozes dos cantores da velha guarda como Nelson Gonçalves, Orlando Silva — O Cantor Das Multidões — e Silvio Caldas.
Reza a lenda que SS era militante de uma humildade extravagante que chegava às beiras de uma simplicidade ilimitada. Quando mudou para o Rio, morou sempre em pensões baratas, chegando até a mendigar para comer. Trabalhou como locutor na Rádio Continental, mas em 1970 pediu demissão. Queria dedicar-se somente a compor e a cantar. Tornou-se “piolho” de estúdios de gravação. Ficava sempre rondando a área à espera de uma oportunidade que surgiu através de Raul Seixas, que na época era produtor musical. Raulzito ouviu algumas canções de Sampaio e decidiu lançá-lo.
Duas das canções de Sérgio foram gravadas pelo Trio Ternura. Em parceria com Raul, fez: ”Amei Você Um Pouco Mais”. E depois, também com Raul: “Coco Verde”, música que alcançou algum êxito e que foi regravada por Dóris Monteiro. Mas o sucesso pintou quando gravou, em 1972, Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua, que integrou o compacto do Festival Internacional da Canção, e que teve 500 mil de cópias vendidas. Neste mesmo ano, SS ganhou o Troféu Imprensa como Revelação 72.
Em 1973 saiu o álbum de estreia de Sérgio Sampaio: “Eu Quero é Botar Meu Bloco Na Rua”, produzido por Raulzito! A canção título tornou-se um sucesso popular e um hino de resistência cultural à ditadura militar no Brasil. Além disso, o álbum traz canções incríveis como Filme de Terror, Odete, Viajei de Trem e Leros & Boleros. Sou fã desse álbum, e não canso de ouvir.
Internações em clínicas psiquiátricas e constantes problemas com o pâncreas foram vencendo a luta que Sampaio travava na sua carreira artística para obter grana e reconhecimento.
“Fui internado ontem
Na cabine cento e três
Do hospital do Engenho de Dentro
Só comigo tinham dez
Eu tô doente do peito
Eu tô doente do coração
A minha cama já virou leito
Disseram que eu perdi a razão
Eu tô maluco da ideia
Guiando o carro na contramão
Saí do palco e fui pra plateia
Saí da sala e fui pro porão”
(Que Loucura)
No peito e na raça conseguiu gravar os álbuns “Tem Que Acontecer” (1976) que inclui Até Outro Dia, Cabras Pastando e Cada Lugar na Sua Coisa; e “Sinceramente” (1983), que traz Homem de Trinta, Tolo Fui Eue Cabra Cega. Com produção de Zeca Baleiro, em 2006, foi lançado seu disco póstumo “Cruel”, com pérolas como Em Nome de Deus, Roda Morta, Polícia Bandido Cachorro Dentista, Brasília e Rosa Púrpura de Cubatão.
Quem estudou sua vida e obra costuma definir o artista como uma figura trágica, quase que saída das páginas do romance barra pesada — Fome —, escrito pelo norueguês Knut Hamsun, autor singular e polêmico, premiado com o Nobel em 1920. Fome descreve os tormentos de um escritor que vaga pelas ruas munido de um toco de lápis, com o qual escreve crônicas para os jornais. O sujeito, depende0 disso para não morrer. Qualquer semelhança com o grande Sérgio Sampaio não é mera coincidência.
Dica: biografia de SS, “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua!”, de Rodrigo Moreira.
Revisão: Hilário Rodrigues
Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas
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