Meu encontro com PAULO LEMINSKI, O SAMURAI PECAMINOSO
Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste
Na época minha produção teatral andava a mil. Estava realizando uma turnê de apresentações pelo Paraná. Em Curitiba tive o prazer de me encontrar com um grande parceiro de Brasília: Ary Para-Raios*, ator e diretor de teatro que realizava performances nas ruas, num estilo circense. Muito legal! Seu grupo tinha ótimo nome: Esquadrão da Vida. Através dele conheci o artista plástico e poeta Rettamozo, figura muito atuante em Curitiba. Ao saber de que além do teatro, também me dedicava à literatura, Rettamozo falou:
— Vou te levar na casa de um dos maiores artistas destas plagas!
E lá fomos nós na casa de ninguém menos do que o grande poeta e pensador, Paulo Leminski.
Hoje, tantos anos depois, tenho opinião formada: Leminski é o legítimo herdeiro de Drummond no time dos melhores poetas que surgiram nesse nosso Brasil. Sem papas na língua escalo a minha equipe: Padre Antônio Vieira, Gregório de Matos, Cruz e Souza, Augusto do Anjos, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Gilka Machado, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Paulo Leminski. E que venham outros nomes e escalações.
Esse encontro com Leminski deve ter rolado lá pelo final dos anos de 1970. Sim, porque nessa época ele ainda não era conhecido no cenário nacional. Eu mesmo nunca tinha ouvido seu nome. Os livros que publicou, até os anos 80, foram bancados pelo próprio autor, circulando principalmente em Curitiba. Ele estourou quando Caetano Veloso gravou sua música “Verdura” em 1981. Logo depois, Paulinho Boca de Cantor, dos Novos Baianos, gravou “Valeu”. São Paulo passou a falar dele através dos irmãos Campos e outros potentados da cultura e da arte. Seus textos começaram a ser publicados nos cadernos literários dos jornais da grande imprensa. Em 1983 a Editora Brasiliense publicou “Caprichos e Relaxos” (poesia), que ganhou distribuição nacional e vendeu muito bem. Daí, Leminski virou um ícone cult até a sua prematura morte, em 1989, com apenas 44 anos. Causa mortis? — Cirrose hepática!
Tenho uma lembrança meio difusa do papo com o mestre Leminski. Creio que sua esposa, a poeta Alice Ruiz, não estava presente. Sua casa era o lar dos livros, discos, belos quadros nas paredes. Um ambiente que sugeria caprichos e relax. O cara, com seu indefectível bigode mexicano, olhar agudo e penetrante, era carismático e bem-humorado, sagaz, irreverente e eloquente. Falamos um pouco de tudo e mais um pouco. Claro que a Arte foi o prato principal do encontro, acompanhado de um bom vinho colonial e uns beques que o poeta apresentou. Noite agradável, pra ser sempre lembrada pela rara oportunidade de estar ao lado de um dos maiores intelectuais que este país já produziu, um mago da contracultura, filósofo, tradutor, praticante de judô e poeta de mão cheia. Grande figura humana, desprovido de vaidade, pedantismo ou pseudo-erudição. Fera apaixonada por Jesus, Trotsky, Cruz e Sousa e Bashô.
Tenho a sorte de ter estado com grandes figuras da cena artística e cultural. Parecido com esse encontro com Leminski, foi um que rolou no apartamento de Luiz Carlos Maciel, espécie de porta-voz da contracultura nesta terra brasilis. Jornalista, pensador, visionário, Maciel conviveu e deu voz, através da sua coluna Underground, no Pasquim, ao que rolava em termos de arte e cultura no Brasil e no mundo. Depois editou o jornal alternativo Flor do Mal e a edição nacional da Rolling Stone. Não sei como, nem com quem, fui parar no apartamento de Luiz, onde um bando de malucos batia papo, ouvia jazz, fumava uns, sentado em almofadões na sala do jornalista. Tudo muito hippie e descolado, era a época do desbunde aqui nos trópicos.
Voltando à Curitiba, na saída da casa de Leminski, ele, generosamente, me ofereceu um exemplar o seu romance “Catatau”, que estava acabando de lançar. Ao me entregar o livro, falou:
“— Você pode ler de qualquer jeito; de trás pra frente, da frente pra trás, pode abrir em qualquer página e ler. Vale tudo! Hehehe.”
“Catatau” é uma obra de vanguarda que navega nas mesmas águas do “Jogo da Amarelinha”, de Cortázar, e segue na pegada de James Joyce, Mallarmé e outros que fizeram dos livros espaço para as experimentações. Guardo a preciosidade, com dedicatória e autógrafo, a sete chaves.
*Infelizmente, meu brother, Ary Para-Raios, nos deixou em 2011. É dele a emblemática frase: “Ética não é titica.” Segue link com maiores informações sobre Ary Para-Raios: https://www.metropoles.com/tipo-assim/ary-para-raios-palhaco-que-coloriu-a-brasilia-cinzenta-de-ruas-vazias
E vão alguns links sobre PAULO LEMINSKI: https://www.iluminuras.com.br/catatau / https://revistacult.uol.com.br/home/por-que-amamos-paulo-leminski/
Revisão: @HilarioRodrigues
Colaboração midiática: @Rodrigo_Chaves_de_Freitas
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Para ler mais crônicas, acesse: https://www.caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/cronicas-musicais/