LUIZ MELODIA – um negro gato de arrepiar!
Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste
Meu amigo, o falecido músico Fernando Bocca, conviveu bastante com Melodia na época que passou uns tempos no Rio de Janeiro. Ele (como eu), fã inconteste do compositor do Estácio, contava casos divertidos sobre as manias de Melô:
— Ele era vidrado em bebidas exóticas. Havia uma época em que só bebia Campari, depois passava pro Steinhaeger e assim ia. E olha que não bebia pouco. Aí vinha o “Rabo de Galo”, seguido do Arak e, no meio disso tudo, a inevitável cervejinha.
Outra dele:
—Não conseguia guardar o telefone de ninguém; quando precisava falar com fulano tinha que ligar pra mulher, a Jane, e pegar o número que queria.
Eu, que não conheci Melodia pessoalmente, lembro-me de uma entrevista que deu em algum programa da Globo. A entrevistadora perguntou o que ele achava do uso de drogas. Sem titubear, o Felino cravou os olhos na câmera e respondeu:
— Sou contra. Não levam a lugar nenhum.
Enquanto respondia, o cameraman deu um close no boné usado por Luiz onde se via a clássica folha de marijuana.
Através do “empurrão” que recebeu dos poetas Waly Salomão e Torquato Neto e do artista plástico Hélio Oiticica (que “descobriram” Melodia em andanças no bairro do Estácio), Luiz deu o pulo do gato invadindo a MPB que era o território de brancos bem nascidos, caras com formação universitária e ampla bagagem cultural. A Bossa Nova foi criada e produzida por brancos; a Tropicália, à exceção de Gilberto Gil, Macalé e do pardo, Tom Zé. Aos pretos restava o samba que ganhou espaço e destaque pelas mãos de brancos. (Cartola, que foi lavador de carros e vendeu sambas pra sobreviver, só conseguiu gravar seu primeiro disco aos 65 anos!) Melodia, com o little help dos já citados artistas, chegou em Gal Costa que adorou suas composições e logo gravou Pérola Negra, em 1971, abrindo caminho pra que ele se lançasse.
Imagino que LM deve ter lido muito pouco, não se ligava em papo cabeça e tinha a espontaneidade como grande aliada. Provavelmente, foi mau aluno, desfrutando a vida de garoto livre e solto no morro de São Carlos. Suas letras, cheias de achados inusitados, sugerem que o artista encontrou rimas e dicções que escapam do domínio do racional; sua inspiração e força, vêm da pura intuição. E que versos criou esse poeta! Versão urbana de Pativa do Assaré misturado com pitadas de Zé Limeira. “Magrelinha”, “Pérola Negra”, “Ébano”, “Juventude Transviada”, “Estácio, Holly Estácio” e tantas outras estão no patamar mais alto da MPB.
E não dá pra definir se o seu som é samba, é rock, é reggae. Incluindo mambos e rumbas em parceria com Papa Kid. Como Tim Maia, ganhou a pecha de artista “problemático” desses que faltam a compromissos, atrasam, criam caso e coisa e tal. Entrou pra lista dos “malditos” junto a Tim Maia, Jards Macalé, Itamar Assumpção, Jorge Mautner e Sérgio Sampaio, dentre outros. Todos talentosos e irreverentes.
Um câncer na medula levou Melodia em 2017. O cantor, com apenas 66 anos, com certeza ainda tinha muita lenha pra queimar.
Dando uma garimpada no repertório de LM, encontrei uma pérola: O X do Problema, de Noel Rosa, numa excelente versão que conta com a participação do bamba da Bossa Nova, Carlos Lyra. Segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=EpFhfiHlZ_Q
Segue outro link, Suave é a noite (versão do clássico Tender is the night) com LM, indicação do nosso super revisor, o amigo Hilário Rodrigues: https://www.youtube.com/watch?v=-XOiMJ4JkYo
Revisão e pitacos: Hilário Rodrigues
Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas
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Para ler mais crônicas, acesse: https://www.caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/cronicas-musicais/