JIMMY CLIFF – O ÚLTIMO DOS REGGAE MAN
Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste
Estando na pioral, fui à luta. Na companhia do Alexandre, camarada meu de Sabinópolis, comprei uma caixa de isopor e a enchemos de latas de cerveja, gelo e sal grosso. Fomos nos posicionar na entrada do campo do Valério em Itabira, conhecida cidade natal do poeta Drummond e sede da famigerada Vale, especialista em crimes e atrocidades; lá, ia acontecer o show do grande Jimmy Cliff. Aliás, tivemos a oportunidade de ver através de um buraco no muro, o cantor batendo uma bola no gramado com outros músicos. Deviam ter fumado uns porque riam mais do que batiam na bola. Isso aconteceu nos idos de 1991. Não vendemos muita cerveja e nem assistimos ao show, apenas deu pra acompanhar o som do lado de fora. Minha admiração por Cliff é muito grande, muito além de I Can See Clearly Now ou Reggae Night, seus grandes hits. Curto não só sua música, mas também as posições políticas do rastaman.
Tive a oportunidade de ir à Jamaica. Depois de passar por Bogotá e Cartagena, fui parar na ilha de San Andrés, que hoje pertence à Colômbia, mas esteve por muito tempo submetida ao Reino Unido. A caribenha ilha, cercada por aquele belo mar azul claro, tonalidade que se deve ao solo de coral, traz muitas histórias e lendas: foi tradicional refúgio de grandes piratas como Sir Francis Drake que roubava nos oceanos com a benção da rainha da Inglaterra. Até hoje há quem acredite que existem tesouros enterrados naquelas plagas. Muito bem. De San Andrés, mesmo sendo avisado sobre a barra pesada que iria enfrentar na terra do reggae, embarquei para a Jamaica. Logo na chegada saquei que os avisos tinham fundamento: os turistas, principalmente brancos, são literalmente caçados. Você não tem sossego, é uma encheção de saco sem fim. Você é acossado pelos nativos que sempre mandam aquele agá:
—Tá a fim de pegar uma marijuana das boas?
Ou então:
—Vou te levar no mocó da mina mais quente da Jamaica.
Macaco velho quem nem eu, não ia entrar nessa gelada, cortava logo a onda e dispensava o mané.
A sorte foi que em Montego Bay, onde desembarquei, encontrei o George Isaac (pode não ser este nome), que foi guitarrista de Cliff. Ele tinha uma namorada em São Paulo, falava português e me convidou pra ir de carro com ele pra Kingston. Foi a salvação da lavoura! Pra você ter uma ideia, o centro da capital da Jamaica é uma favela braba. Barra pesada mesmo. George me levou prum hotel localizado em um bairro mais maneiro da cidade; mesmo assim tinha um carinha que ficava de plantão no portão do hotel e que vinha sempre com o mesmo papo chato. Acabei dando uma decisão nele: — Aqui, compadre, sou brasileiro, do Rio de Janeiro (mentira, sou de BH), então esse negócio de você ficar aí ameaçando num cola. Dá o fora e não enche (aprendi um pouco do inglês tosco usado na Jamaica e carreguei nas cores pra cima dele)! O cara vazou e deu uma folga.
Mas, voltando ao Jimmy Cliff, é importante frisar que quase toda a grande geração do reggae partiu para o além: Bobby Marley, Peter Tosh, Lee “Scratch” Perry, Bunny Wailer; até o cantor de reggae brasileiro, Edson Gomes, sofreu uma parada cardíaca e morreu.
Abro um parêntesis aqui pra falar do Ska, música genuinamente jamaicana que foi uma das raízes do reggae. Sugiro, pra quem gosta de boa música, a audição do sonzaço feito por Don Drummond, um dos craques do ska.
Depois de uma pausa de dez anos Jimmy voltou à ativa, lançou o single Human Touch e, em 2022, surgiu com um álbum incrível: Refugees (Refugiados). O compositor, sensível como é, chama a atenção do mundo para uma das maiores tragédias contemporâneas: as hordas de refugiados lutando pela sobrevivência na terra ou no mar. A mídia, preocupada com futilidades, dá pouquíssima relevância à tragédia dos refugiados que deveria ganhar manchetes como a guerra da Ucrânia, ou o conflito na Faixa de Gaza. Mas, no mundinho global e egocêntrico, quem quer saber da saga de milhares de seres humanos, que por força das guerras regionais, de conflitos étnicos e religiosos, são obrigados a abandonar suas casas, seus países e fugir pra qualquer lugar onde possam encontrar refúgio?
Viva Jimmy Cliff! Viva o Reggae e a Cultura Rastafári!
Refugiados – Jimmy Cliff
Refugiados
Refugiados
Refugiados
— Eu sou um refugiado!
Eles não poderiam ser alguém como você e eu?
Você sabe, sou um cidadão global
e um G completo, global, é também um refugiado.
Minha família remou pelos mares
atravessamos o dia e a noite está chamando
caminhamos como os camelos
e temos que superar as probabilidades.
Cada dia que vivemos é uma bênção disfarçada.
Faça aos outros o que você faria com você.
— Ouça, essa é a voz da sabedoria.
Cumprimos nossos destinos e a morte espreita,
mas você só quer ver seu próprio umbigo.
Precisamos um pouco do seu tempo
temos mulheres e crianças na fronteira
(na fronteira entre a vida e a morte)
— Eu sou um refugiado!
Refugiados
Refugiados
Refugiados
Link de Refugees: https://www.youtube.com/watch?v=5yejwKdafPA&list=PLoWeu270MRR3CXlwZrBi2c-sSqU_YQ4Co
Revisão: @HilarioRodrigues
Colaboração midiática: @Rodrigo_Chaves_de_Freitas
Para ler mais crônicas, acesse: https://www.caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/cronicas-musicais/
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