Crônica Gal Costa
Crônicas Musicais

Crônica Gal Costa

GAL COSTA – seu canto não pode calar

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

Vi Gal Costa, lânguida gata, ao vivo pela primeira vez no teatro Marília, em BH. Antes do show a vi de perto, no foyer, caminhando hippie felina, displicente e recostando-se num sofá, ao lado de um Jards Macalé de ouriçada cabeleira, barba negra fechada, muito magro, vestido com underground extravagância, posando como pantera negra das quebradas de Berkeley ou de Oakland. Eu, tímido garoto de classe média, não tive peito de me aproximar dos dois e tentar engatar uma prosa. No entanto, a gata Gal começou a povoar os meus sonhos como ideal de beleza feminina. O show foi um barato total, o som da banda comia solto, uma pegada de puro rock and roll. Macalé ficava mais na retaguarda, dando o suporte com seu violão, como sempre muito bem tocado. O som era infernal e Gal soltava a voz trazendo para o palco um estilo de cantar e gritar que tinha tudo a ver com a grande Janis Joplin.

Vale pontuar que nessa época, no auge da ditadura militar, Caetano e Gil estavam exilados em Londres. Gal e Macalé eram uma espécie de farol lançando luz na escuridão daqueles anos de chumbo. Nenhum dos dois adotava qualquer tipo de discurso anti isso ou aquilo, mas a postura, os figurinos e a rebeldia impregnada na música bastava para dar o recado de quem não estava gostando nem um pouco dos disparates cometidos pelos milicos no poder.

Voltando ao lance musical, é bom lembrar que Gal é baiana da gema, tem um swing muito diferente da texana Janis. Na sua juventude ouviu Gonzagão no rádio, onde também ouviu João Gilberto. Tendo trabalhado como balconista numa loja de discos em Salvador, ela ouviu as grandes cantoras como Billie Holliday, além das brasileiras Dalva de Oliveira, Emilinha e Carmen Miranda, dentre outras. O resultado é que Gal conseguiu colocar na sua música a dicção de várias tribos, sendo tanto do samba quanto do rock, passando pelo baião, forró e axé. Não desprezou o bolero nem o samba canção e, é claro, prestou todas as reverências à bossa nova.

Suas versões de Aquarela do Brasil, Sua Estupidez, Um Dia de Domingo, Chuva de Prata e Folhetim, trazem a qualidade vocal de uma das maiores intérpretes de todos os tempos no Brasil. Em Baby, Divino Maravilhoso, Meu Nome É Gal e Vapor Barato temos o arrojo de uma cantora que não perde em nada para as grandes vozes do rock and roll como Grace Slick (Jefferson Airplane), Tina Turner, ou a já citada Janis Joplin. Aliás, a imagem da “psicodélica” Gal com sua linda cabeleira, roupas coloridas e ar blasé, tornou-se ícone do tropicalismo e da contracultura em terras tupiniquins.

Assisti no Teatro Guaíra, em Curitiba, um dos últimos shows de Gal antes da sua morte. Apesar do visível abatimento causado pela doença, a cantora ainda dominava o palco com energia (certamente tocada por uma Força Estranha) e elegância. Sua voz continuava afinada e cristalina. Em um determinado momento ela parou de cantar e contou que quase teve que cancelar o show por problemas nas cordas vocais. Mas arrematou sorrindo que precisava muito estar junto daquela boa gente que lotava o teatro em um momento que o povo brasileiro vivia um pesadelo. No encerramento do espetáculo mandou Brasil, de Cazuza, que virou uma senha para que o público entoasse o sonoro coro de “Fora B…”

Eu estava fora do país quando Gal Costa faleceu. Troquei alguns telefonemas e lamentei muito a dura perda. Fui tocado pela intuição, baixou a inspiração e fiz um poema que transformei em letra de música em parceria com Márcio Diniz. Vai aqui minha homenagem a esta que considero a melhor cantora brasileira de todos os tempos:

Estrela do Adeus – Rodrigo Leste

Hoje não ponho mais

minhas calças vermelhas.

Hoje não visto mais

meu casaco de general.

Hoje não desço mais

aquela rua deserta.

Hoje não tenho mais

nos meus dedos pobres anéis.

Hoje não vou tomar

aquele velho navio.

Porque hoje

doce estrela se apagou.

Eu não preciso mais

de muito dinheiro.

Só não sei como viver agora

e depois.

Sem vela, sem fósforo, sem vinho, sem ela,

sem beira.

Só sei dizer que estou muito cansado.

Sem vela sem fósforo sem vinho sem ela

sem beira.

Só sei dizer que estou indo embora.

E não importa Baby.

Ó minha honey Baby,

honey Baby,

Doce estrela se apagou.

E não importa Baby.

Ó minha honey Baby,

honey Baby.

Doce estrela se apagou.

Revisão e pitacos: Hilário Rodrigues

Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas

Portal cultural Caleidoscópio: siga @caleidoscopiobh

Para ler mais crônicas, acesse: https://www.caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/cronicas-musicais/

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