Crônica Django Reinhardt
Crônicas Musicais

Crônica Django Reinhardt

DJANGO REINHARDT – o criador do Gypsy Jazz

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

Assisti em Pouso Alegre, sul de Minas, o show de Ivan Vilela, que toca o fino da viola caipira e do consagrado Juarez Moreira, compositor, arranjador e violonista da pesada, amigo meu das antigas de BH. Lá pelas tantas, Juá faz uma pausa no som e narra uma minibiografia do mestre do violão, o cigano Django Reinhardt. Então, pegando carona nessa boa lembrança trazida por Juarez, vamos falar hoje desse mago da guitarra.

Django Reinhardt nasceu num acampamento cigano no interior da Bélgica. Seu pai era luthier (especialista em fabricar e consertar instrumentos de corda). A família partiu para uma longa viagem, rodou em carroções boa parte do leste europeu, até voltar e se estabelecer nos arredores de Paris. O jovem Django se tornou adepto do roubo de galinhas, o que era visto como uma habilidade nobre pelos ciganos, porque parte de seu meio de sobrevivência na estrada era roubar do mundo não-cigano ao seu redor. Embora fosse quase analfabeto, DR desenvolveu suas aptidões musicais e aos 18 anos gravou seu primeiro disco, um single. Seu instrumento era o banjo de seis cordas e o estilo musical o musette, gênero típico de Paris.

Aos 17 anos, Reinhardt casou-se com Florine “Bella” Mayer, uma menina também cigana. O casal vivia num trailer. Um incêndio no meio da noite os pegou de surpresa. Ele sofreu graves queimaduras e passou dezoito meses hospitalizado. Acreditava-se que sua carreira musical havia se encerrado aí. Seu braço esquerdo sofreu danos irreparáveis. Porém, com extrema dedicação e persistência, DR voltou a tocar utilizando-se apenas dos dois dedos bons que lhe restaram na mão esquerda. O que era pra ser um grande problema e limitação fez com que o artista desenvolvesse um jeito único, “diagonal”, de dedilhar as cordas que se tornou sua marca registrada. A técnica é tão estranha e original que ninguém ousou imitar o inigualável estilo Django Reinhardt de tocar.

Nos anos 20-30, Paris era uma festa. Além de grandes pintores como Pablo Picasso, Paul Cézanne e Henri Matisse, a cidade luz atraiu compositores como Maurice Ravel e Igor Stravinsky, poetas e escritores de alto nível como Ernest Hemingway, James Joyce, Ezra Pound e Scott F. Fitzgerald. Outro destaque: o grande Henry Miller, que considero estar na primeira estante da literatura. Este era o público que aplaudia DR no famoso Hot Club Jazz que se tornou o point da boêmia parisiense.

E exatamente nesses anos 30 entra em cena o grande violinista ítalo-francês, Stéphane Grappeli que se entendeu maravilhosamente com Django, surgindo então o famoso Quinteto Hot Club de France, que contava ainda com Louis Vola no baixo, Joseph Reinhardt e Roger Chaput nas guitarras. Grappeli foi o primeiro violinista que se atreveu a usar o instrumento no jazz. Ideia que, até então, faria os puristas do mundo inteiro torcerem o nariz.

Vários sucessos de DR foram gravados nesse período: “Lily Belle May June”, “Sweet Sue, Just You”, “Confessin’”, “The Continental”, além do álbum “Djangology”.

Durante a Segunda Guerra, quando passava a fronteira suíça, DR foi preso pelos soldados nazistas. Foi constatado que era cigano, o que implicava numa execução sumária ali mesmo. Salvou-se apenas pelo fato de que o oficial alemão que comandava a ação, era seu fã. Aliás, Reinhardt sobreviveria ileso à guerra, ao contrário de muitos ciganos que foram internados e mortos no Porajmos (Holocausto Cigano). Muitos ciganos, como os da França, foram utilizados no trabalho escravo em fazendas e fábricas. Cerca de 600 mil ciganos em toda a Europa foram mortos pelos nazistas.

Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, Django foi para os EUA, onde já era reconhecido como um grande guitarrista – seus discos já eram tocados por lá, espalhando o Gypsy Jazz pela América. O guitarrista tocou com a orquestra de Duke Ellington fazendo uma turnê de enorme sucesso. Foi nessa época que Django Reinhardt empunhou pela primeira vez uma guitarra elétrica. Ele foi o primeiro músico europeu contemporâneo capaz de exercer influência nos mestres do jazz americanos; o sucesso foi tanto, que partir daí o Gypsy Jazz passou a ser ouvido no mundo inteiro.

Antecedeu Tim Maia nas atitudes imprevisíveis: nunca se sabia se Django compareceria às suas próprias apresentações. Pisou na bola com os seus músicos e com o público que o esperava para aquele que seria seu show consagrador no Carnegie Hall de Nova Iorque. O motivo? Cruzou na rua com o boxeador francês Marcel Cerdan, de quem era fã. Passou a tarde toda conversando com o pugilista e se esqueceu do show (Tim Maia iria entender, rsrs). Seu conhecido mau humor o fez ganhar dos amigos o apelido de Doce Fera. Em sua vida pessoal, consta que Django era um grande gastador. Torrava seu dinheiro com mulheres, bebidas, apostas ou na sinuca, onde também demonstrava muita habilidade.

Django sofreu um derrame cerebral em 1953 e morreu com apenas 43 anos. Seu som se eternizou. O guitarrista Jeff Beck descreveu Reinhardt como “de longe o guitarrista mais surpreendente de todos os tempos” e “bastante sobre-humano”.

O filme Django , do cineasta francês Étienne Comar , retratando a vida de DR foi lançado em 2017, com o ator francês Reda Kateb no papel de Reinhardt.

Jimi Hendrix disse que nomeou seu grupo Band of Gypsys em homenagem a Django.

Revisão: Hilário Rodrigues

Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas

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