Crônica David Crosby
Crônicas Musicais

Crônica David Crosby

DAVID CROSBY – Music is Love (Música é Amor)

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

Nós Mesmos era o nome do grupo teatro que eu dirigia nos anos de 1980 em BH. Me acompanhavam jovens que tentavam suprir a falta de uma melhor formação teatral através da garra e obstinação. Nossa produção ia de vento em popa e resolvi ir à New York comprar microfones auriculares para melhorar a captação das vozes. Estávamos preparando para estrear uma peça minha: Máquina Selvagem ou O Que os Homens Pensam Sobre as Mulheres, Mas Nem Sempre Têm Coragem de Dizer (no atual contexto a mulheres diriam:“os homens não têm que falar nada!”) rsrs. Acabei passando duas semanas na Big Apple (NYC). Além de comprar os tais microfones, dei uns bons rolês por lá. Numa manhã de domingo baixei no Spanish Harlem, pretendia entrar em alguma igreja para assistir os cantos do gospel ao vivo. Entrei num bar pra comprar água, uma mulher negra, marrenta, meio zoada, me encarou:

— Quê que você tá fazendo aqui, seu branquelo. Esse não é o seu lugar! Cai fora!

Fiquei na miúda, não retruquei, nem nada e sai de fininho. Desisti do gospel. Peguei o metrô e voltei pra uma área mais segura da cidade. De qualquer forma, assisti a vários espetáculo em NYC, dentre eles um show de David Crosby. O evento aconteceu num bar pequeno (não lembro o nome) que ficava num porão. Talvez fosse no Soho, ou no Lower East Side, não sei… O palco também não era grandes coisas, nem um pouco condizente com um artista da envergadura de Crosby. A plateia ficava de pé, em volta do palco e David apareceu caminhando devagar, deixando transparecer o peso da idade. Tratava-se de um senhor envergado pela passagem do tempo. A banda que o acompanhava era composta por jovens e talentosos músicos, dentre eles o filho de DC, o tecladista James Raymond. Aliás, este rapaz, quando recém-nascido, foi entregue pelos pais para adoção. Arrependido, anos depois, Crosby procurou e encontrou o filho que o acolheu bem. Além de reatarem suas relações, os dois passaram a tocar juntos.

O “velhinho”, de cabelos brancos como a neve, ainda dominava bem a guitarra e, quando abria a boca para cantar, emitia uma voz poderosa que guardava a força e o encanto de sua juventude. O cara cantava demais, reunindo técnica e domínio de todos os recursos vocais que foram lapidados nos seus muitos anos de carreira. Quando cantou “Almost Cut My Hair” (Quase Cortei Meu Cabelo) arrepiei todo, pois letra e música me dizem muito desde que a escutei pela primeira vez.

David Crosby surgiu em meados dos anos 60 no The Byrds, que ficou famoso por misturar o folk de Bob Dylan com as harmonias pop dos Beatles, com ênfase na guitarra de 12 cordas. Apesar do sucesso que fizeram com Mr Tambourine Man, Turn,turn, turn, a relação dele com a banda foi se deteriorando. Um dia, Roger McGuinn e Chris Hillman chegaram na sua casa num Porshe verde, desceram do carro e ao invés de cartão amarelo deram logo o vermelho para um perplexo DC. Ele tentou levar na gozação, fingiu que não estava abalado, mas depois confessou: “Doeu pra caramba!”

Após tirar um ano inteiro de férias, em 1969 se junta ao ex-Buffallo Springfield, Stephen Stills e ao ex-Hollies, Graham Nash, formando o poderoso trio Crosby, Stills and Nash (CSN).

A carreira solo de DC também apresenta obras sensacionais. Music Is Love é uma das minhas canções favoritas. Aliás, todo o álbum If I Could Only Remember My Name 1971 (Se Eu Pudesse ao Menos Lembrar o Meu Nome) é magnífico. Suas letras são cheias de reflexões sobre o tempo, a consciência e a eternidade. Outros belos álbuns solo se sucederam, como: OH, Yes I Can 1989 (Sim eu posso), Thousand Roads (Milhares de Estradas) 1991 e Sky Trails (Caminhos no céu) 2017.

David Crosby é tido como um personagem complicado e difícil. Sua carreira era regularmente pontuada por discussões raivosas, desentendimentos amargos, demissões, discórdia geral. A cantora Joni Mitchell uma vez sugeriu irritadamente que ele era “um odiador de humanos”.

Em sua autobiografia de 1988, Long Time Gone (Muito tempo passou), Crosby vai fundo. Relata as condições miseráveis em que ele e sua companheira, Jan Dance, viviam; a multidão de traficantes e viciados de quem eles se cercavam (era um clima tão sinistro que até mesmo os músicos os apelidaram de “Família Manson”); e a sequência interminável de apreensões por porte de drogas e armas de fogo. Numa ocasião, Crosby teve uma convulsão induzida por drogas enquanto dirigia um carro a 65 milhas por hora. Em outro, Jan Dance foi mantida refém por um traficante a quem Crosby devia dinheiro. Seu vício era tal que ele se recusou a largar seu cachimbo cheio de droga, mesmo quando um policial o estava prendendo nos bastidores de um show. Nash começou a expressar publicamente a opinião de que Crosby iria morrer.

David admite: “Cometi todos os erros possíveis.”

Crosby foi preso em 1982 por acusações de porte de drogas e armas. Ficar preso, quase que sem dúvida, salvou sua vida. Depois de passar 9 meses em cana, foi solto e voltou a gravar com CSNY (Neil Young passou a fazer parte do grupo)

A trajetória de CSNY será tema de um próximo texto, bastando aqui dizer que este supergrupo tornou-se um dos mais importantes da música pop mundial de todos os tempos. David Crosby morreu em 2023 aos 81 anos. Não dá pra deixar de associar sua louca trajetória pessoal, suas ego trips e seus desatinos à inexorável decadência da sociedade norte-americana. Depois de seu falecimento, recebeu o perdão de seus detratores e o reconhecimento de sua genialidade foi geral e irrestrito, seja como músico, cantor ou compositor.

Links: álbum If I Could Only Remember My Name

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=ln9dtQ8tuKk&t=29s

Revisão: Hilário Rodrigues

Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas

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Para ler mais crônicas, acesse: https://www.caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/cronicas-musicais/

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