DANIELLA ZUPO – “A estrada é vida”, como disse Jack Kerouac
Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste
Sentados em volta da mesa, a jornalista e escritora, Daniella Zupo, o arquiteto e multiartista, João Diniz, e o escriba dessas crônicas. Em pauta o recém-lançado livro de DZ “O Dia Em Que Encontrei Bob Dylan Numa Livraria Em Estocolmo”. Além disso, vamos falar de viagens, literatura e rock and roll. Um cardápio variado, cheio de bossa e outros ritmos.
Acabei de ler “O dia…” exatamente na véspera desse bate papo. Confirmei, diante da autora, a impressão de que o ponto alto do livro é a excelente qualidade de sua escrita. Ouvi muitos comentários elogiosos sobre a magnífica editoração da obra, a beleza do projeto gráfico, feito por Nayla Chaim a partir de fotos da própria Daniella, e a elegância do objeto. Mas senti que faltava ressaltar a excelência da narrativa dos textos curtos, que passam por cidades e lugares diversos (Lisboa, Berlim, Paris, Brighton, Vigo, Estocolmo e outros), trazendo sempre o olhar aguçado e sensível de DZ. Mas vou passar a bola pra própria escritora que disse mais ou menos o seguinte:
— Escrevi na primeira pessoa. Não tive vergonha de me expor, mostrando não só o que via, mas também o que sentia. Não escondi as emoções, nem as reflexões e sensações que os lugares, pessoas e situações por onde passei, me trouxeram. O livro é a antítese de um guia de turismo. Meu roteiro é ultrapessoal, assim como toda a narrativa e, muitas vezes, o acaso é o protagonista. Além do mais, “A estrada é vida”, como bem disse Jack Kerouac.
João perguntou:
—Por que Bob Dylan?
Dani respondeu de bate pronto:
— Porque BD personifica a alma estradeira.
E ela conclui filosofando:
— O acaso é dylanesco.
Aos textos curtos do livro, antecedem citações de trechos de letras de música, poemas e prosa de craques como Rimbaud, David Bowie, Patti Smith, Nick Cave, Joni Mitchel, Leonard Cohen e, claro, Bob Dylan. Personagens que fazem parte do olimpo cultural e sonoro de DZ.
Pinço trechos do livro:
“Em tempos de tantos especialistas em tudo, é extremamente libertador ser apenas um amador durante uma viagem.”
E a antiturista declara:
“Deixo Santiago (de Compostela) sem cartões postais, sem souvenirs, sem fotos. E antes da invenção dos selfies.”
Em Estocolmo:
“Estou tão sozinha quanto posso suportar e sinto que posso simplesmente desaparecer… Busco uma fenda no tempo onde eu possa entrar. Desaparecer para não desaparecer.”
Claro que nesse papo entre artistas que tentam conquistar o seu espaço e desenvolver sua arte, tratamos das mazelas que são comuns aos três: conseguir público para os nossos eventos, leitores para os nossos livros, angariar recursos para nossas produções. E DZ, que é bem-sucedida em suas investidas de um modo geral, seja no seu canal no Youtube ou na ótima acolhida (e venda) do seu livro anterior, AHO: Amanhã Hoje É Ontem (uma jornada espiritual na luta contra o câncer de mama), se diz empenhada na sequência da trajetória comercial do seu novo livro, “O Dia Em Que Encontrei Bob Dylan Numa Livraria Em Estocolmo”.
— A primeira onda passou e foi bem-sucedida. O livro foi bem recebido, fiz sucesso no lançamento, a distribuição do Alexandre Machado (editor da obra) é muito boa, mas agora preciso inventar alguma coisa pro livro não estagnar. Preciso criar outra onda, estou quebrando a cabeça com isso.
João e eu compreendemos bem as dificuldades enfrentadas por ela, que são as mesmas com que deparamos quando realizamos alguma coisa em termos de arte. A batalha sempre é cerrada, requer muito trabalho, abnegação, disposição para ter a cara de pau de mandar mensagens pelo zap a fim de tentar garantir a presença de umas e de outros nos nossos eventos. Humildade, simpatia e boas relações são a receita para se obter um relativo sucesso em nossas empreitadas?
Mas o rock and roll pediu passagem e logo falamos dos Beatles. DZ é beatlemaníaca assumida, realizando inclusive o “Boteco dos Beatles” que desde 2021 está no ar ininterruptamente com as colaborações de outros especialistas no assunto: Marcelo Fróes( RJ), Aggeu Marques ( MG) e Rafael Weiss( SC). O Boteco pode ser visto no Canal DZ no Youtube.
Perguntei a ela:
— Por que George Harrison é o seu Beatle favorito?
— O George é o cara que viveu espremido na banda. Tinha que enfrentar dois monstros da composição, Lennon e McCartney, para conseguir que alguma música de sua autoria pudesse ser incluída no repertório, entrar em algum disco. Os dois eram muito críticos, mas GH foi um cara especial, dotado de muita criatividade e com a aguda sensibilidade de pisciano (como eu). Além disso, foi quem levou os Beatles para o caminho da espiritualidade, introduziu a cítara no rol dos instrumentos utilizados pela banda.
João Diniz aproveita pra lembrar que “John e Paul bombaram All the Things Must Pass quando George apresentou a canção para eles. Não deixaram que ela fosse incluída no LP Let It Be, esta que é uma lindíssima canção, que deu nome ao primeiro álbum solo de GH”.
Nosso papo rendeu. Poderia escrever várias crônicas juntando pedaços da conversa que nos trouxe as inquietações comuns a quem cria, as dúvidas sobre a eficiência do que realizamos e muito do que pensamos mas não conseguimos colocar em prática. Mencionamos livros, filmes, falamos de outras viagens que fizemos e das muitas que gostaríamos de fazer.
A noite já ia chegando na mesa do café na Savassi (espécie de Ipanema de BH), por onde passavam constantemente amigos que cumprimentavam a mim e o João, mas principalmente a Daniella, que interagia com todos de maneira descontraída e simpática. Quase no momento da despedida surge a lembrança de Patti Smith, presente em várias passagens do livro “O dia…”, aí DZ se empolga ao reafirmar sua identificação com ela em função de sua postura rebelde, poética, feminista e roqueira, declarando inclusive que PS é a criadora que ela mais desejaria entrevistar.
Quem sabe Dani vai resolver montar também o Boteco das Trips (sem ego trips) e vamos poder compartilhar com você os prazeres de abrir caminhos e seguir entregando o roteiro ao acaso. — De caso com o acaso, uma coisa assim. Let it be!
Links: https://www.youtube.com/c/DaniellaZupo
Participação no papo, colaboração no texto
e arte na foto: João Diniz
Pitacos e revisão: Hilário Rodrigues
Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas
Portal cultural Caleidoscópio: siga @caleidoscopiobh
Para ler mais crônicas, acesse: https://caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/cronicas-musicais/
