Crônica Clube da Esquina
Crônicas Musicais

Crônica Clube da Esquina

O CLUBE DA ESQUINA na visão do poeta e compositor Murilo Antunes “A música mineira se divide em duas etapas: antes e depois do Clube da Esquina” (M.A.)

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

Na companhia do amigo e parceiro João Diniz, bati um papo trilegal com Murilo Antunes. O poeta, autor de 350 músicas gravadas, dispensa apresentações. Falamos da trajetória do Clube da Esquina, da cena cultural brasileira, dos descaminhos da criação e outros babados. Mira e veja:

“O trem todo acontecia na garagem da casa da mãe do Flávio Venturini. Era uma verdadeira usina musical. Nos reuníamos lá pra fazer o som que muitas vezes se transformava em novas canções. A turma toda estava lá: Lô Borges, Beto Guedes, Flávio, Vermelho, eu, Marcio Borges e muitos outros. O Cláudio Venturini ainda não tocava guitarra na época, ficava operando os equipamentos. A gente não só tocava como também ouvia muita coisa: Led Zeppelin, The Who, Beatles, James Taylor, Crosby, Stills, Nash & Young, Bob Dylan, Cat Stevens;o Genesis também. O Flávio gostava mais do Emerson, Lake & Palmer.”

Só para contextualizar é bom lembrar que Bituca (Milton Nascimento) chegou em BH na década de 60. Começou a exercitar seus dons musicais nos bares do Malleta e adjacências. Na época, seu repertório refletia o momento da música brasileira e do jazz. Eram notórias as influências de Dorival Caymmi, do samba canção e da Bossa Nova. Na ocasião começaram as primeiras parcerias de Milton com Márcio Borges e Fernando Brant. O grande salto se deu quando a música Travessia alcançou enorme sucesso transformando-se no ponto de partida para a carreira nacional e internacional de Milton Nascimento.

A partir do celebradíssimo disco de 1972 de Milton e Lô Borges é que o termo Clube da Esquina, título do álbum, passa a ser adotado para nomear as ações do grupo de músicos e compositores mineiro.

Voltando a Murilo Antunes:

“Mesmo estando na corrente da MPB, acho que o Clube da Esquina também sempre navegou nas águas do rock. O disco do Beto Guedes, Página do Relâmpago Elétrico, de 1977, é um verdadeiro disco de rock. Quem tocou nesse disco foi aquele pessoal da garagem, daí essa sonoridade com sabor de rock and roll. No que diz respeito ao Bituca, quando passou a ser acompanhado pelo Som Imaginário, sua música ganhou uma sonoridade universal com pitadas de rock progressivo.”

Agora um causo interessante que rolou num show da Gal Costa no Teatro Marília, em BH:

“Gal estava sendo acompanhada pelo Som Imaginário. Havia um intervalo no show, aproveitei pra dar uma chegada no Stage Door, bar anexo ao teatro. Quando entrei no bar, um locutor, no rádio, dava a notícia da morte de Jimi Hendrix. Voltei logo ao camarim e transmiti a notícia da morte de Hendrix. Quando o show continuou, o guitarrista Fredera deu ao público a notícia da morte de Jimi e o Som Imaginário tocou uma música em sua homenagem.”

Chamei de esquizofrenia cultural, a música que se produz hoje no Brasil. Murilo concorda, acha que quase tudo que se produz é superficial:

“O artista deixou de ser artista, é influencer, tudo é pulverizado, cada um tenta ocupar o seu nicho e garantir um milhão de seguidores. A espinha dorsal da música brasileira começa com Chiquinha Gonzaga, passa por Pixinguinha, Noel, avança pro samba canção, bossa nova, etc. Essa espinha foi quebrada nos anos 2000. Foi feito um grande desmanche e música virou entretenimento, banalizou. O funk é reflexo da nossa sociedade, é uma válvula de escape pra miséria, revela o emburrecimento da nação.”

O poeta fala agora sobre a atual música sertaneja:

“O sertanojo se mantém porque é patrocinado pelo agronegócio. Formaram um cartel de grandes empresas, aliadas à mídia, para garantir a hegemonia do sertanojo que ocupa quase que todos os espaços, não sobrando mais nada pra ninguém. Por isso nós, compositores, estamos de pires na mão. O que recebemos de direitos autorais dos streamings é ridículo. Eu, por exemplo, recebo 15 reais por mês. Para cada clic num streaming te pagam a miséria de 2 centavos. Então o que salva a lavoura são os shows, que proporcionam valores mais dignos. E o Gilberto Gil, quando Ministro da Cultura, quis fazer passar uma lei que praticamente acabaria com o pagamento de direitos autorais. Ainda bem que ele saiu e o projeto não foi votado.”

Depois de dizer que o Clube da Esquina não é um movimento (“nosso manifesto são as nossas canções”), Murilo encerra o nosso papo contando o caso da novela pela liberação da música Viva Zapátria, parceria dele com Sirlan:

“Fomos classificados para o Festival Internacional da Canção, promovido pela Globo em 1972. Tínhamos que ir à sede da Censura Federal, no Rio, pra liberar a música. E lá fomos eu e o Sirlan, com os nossos 21 anos. Entramos numa sala onde havia uma mesa comprida com 8 ou 9 censores sentados nas suas cadeiras. Quando chegou a nossa vez eu adotei a estratégia de posar de capiau mineiro e explicar que a letra era apenas uma singela homenagem ao filme Viva Zapata! (O pátria, anexado ao título despertou suspeitas por parte dos censores) Apelamos pro argumento que a letra enaltecia o amor e não tinha nenhuma outra intenção. Depois de 3 horas de muita falação conseguimos, enfim, a liberação.

O trágico da história é que apesar de ter assinado um contrato com a Som Livre, gravadora da Globo, Sirlan foi colocado na geladeira. Tentou durante 4 anos liberar as outras letras minhas e de Fernando Brant, junto à censura, sem êxito. Acabou, por decurso de prazo, perdendo o contrato assinado com a Som Livre. Gravou seu único e ótimo disco pela Continental, gravadora de pouca expressão e fraca na distribuição de seus produtos. Sirlan, com essa manobra, foi condenado ao esquecimento. Uma tremenda injustiça.”

Murilo Antunes também ocupa os palcos com o seu show: Como se a vida fosse Música, onde mistura canções e poesia. O espetáculo conta com as participações de Beto Lopes e Bárbara Barcelos. Assista o vídeo produzido por Daniella Zupo: https://www.youtube.com/watch?v=rKj0PMfelfE

Acesse o site: https://www.muriloantunes.com.br/

Colaboração no texto: João Diniz

Foto 1 Murilo Antunes – foto: Eduardo Gontijo

Na Foto 2: Márcio Borges, Toninho Horta, Beto Guedes, Nivaldo Ornelas, Murilo Antunes, Fernando Brant e Nelson Ângelo

Revisão: @HilarioRodrigues

Colaboração midiática: @Rodrigo_Chaves_de_Freitas

Para conhecer mais sobre a história do Rock’Roll, acesse:

https://www.caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/rock-roll/

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