CAMISA DE VÊNUS: o SIMCA CHAMBORD e a História do Brasil
Aparentemente ingênua, a canção Simca Chambord traz a narrativa dos episódios ocorridos nos idos de 1963, nas vésperas do golpe militar de 1964. Com fina ironia a letra do rock revela o olhar de um adolescente que observa através do para brisa do carro os acontecimentos que mudariam os rumos da história do Brasil.
“Um dia meu pai chegou em casa,
nos idos de 63
E da porta ele gritou orgulhoso,
Agora chegou a nossa vez
Eu vou ser o maior, comprei um
Simca Chambord”
“O Presidente João Goulart,
um dia falou na TV
Que a gente ia ter muita grana
Para fazer o que bem entender
Eu vi um futuro melhor,
no painel do meu Simca Chambord”
SC é uma criação coletiva dos membros da banda baiana Camisa de Vênus, liderada por Marcelo Nova. Com um estilo que flerta com o punk, o CV fazia um rock básico, rasgado, rebelde, que mostrava alguma afinidade com o The Clash(banda que fez grande sucesso no Reino Unido a partir do seu álbum de estreia, The Clash, em 1977). Mas o CV tinha uma identidade própria, uma maneira brasileira e antropofágica de colher as influências do mundo e as devolver com um tempero que levava muita pimenta e dendê.
Simca Chambord, minha música favorita do CV, traz o frescor do rock básico, misturado a uma letra inteligente que não fala apenas de amor, mas também dos acontecimentos que levaram o país a viver os anos mais cruéis de sua história.
“Mas eis que de repente, foi dado um alerta
Ninguém saía de casa e as ruas
ficaram desertas
Eu me senti tão só, dentro do
Simca Chambord
Tudo isso aconteceu há mais de vinte anos
Vieram jipes e tanques que
mudaram os nossos planos”
“Eu Não Matei Joana D’Arc”e “Silvia” colocaram o CV nas paradas. Já, “Deus Me Dê Grana” e “É Só o Fim” começaram a trazer a marca do estilo que Marcelo Nova adotou na sua carreira solo. É bom lembrar que MN alcançou grande sucesso quando gravou junto com Raul Seixas o álbum Panela do Diabo. O projeto foi visto por muitos como uma jogada oportunista de Nova que se aproveitou da enorme popularidade de Raulzito para dar um upgrade na sua carreira. Outra versão desse episódio, apresenta MN como o brother que tentou tirar RS da pioral em que estava afundado. Consta que Raulzito estava sem grana, trêmulo, inchado e com o fígado em pandarecos por causa de seus excessos etílicos. Marcelo estendeu a mão ao amigo criando condições para que o artista realizasse seu canto do cisne através do bem produzido Panela do Diabo.
O Simca Chambord foi produzido pela Simca francesa, desenvolvido a partir do Simca Versailles. O carro começou a ser fabricado no Brasil e, depois de sofrer melhorias e adaptações, passou a fazer muito sucesso. Ironicamente, o SC parou de ser fabricado logo depois da instalação do governo militar. Em 1965 já circulavam rumores de que a Chrysler norte-americana estaria interessada em adquirir o controle acionário da Simca na França e no Brasil, o que aqui acabou se concretizando oficialmente no segundo semestre de 1966. Foi o fim do Simca Chambord.
“Eles fizeram o pior: acabaram com o Simca Chambord”Começo este papo pegando carona na fala do compositor e arranjador André Baptista, autor das canções do longa O Segredo dos Diamantes (2014), de Helvécio Ratton, em evento realizado recentemente com a participação da compositora e cantora Titi Walter:
— Um espaço como a Asa deveria proliferar. Em cada bairro deveria haver uma Asa de Papel.
Pra quem não conhece, a ASA DE PAPEL — Café & Arte é um coletivo de artistas e amantes das artes que promove, num pequeno espaço (com capacidade para 30 pessoas) localizado no bairro de Santa Efigênia, em BH, exposições de artes plásticas, shows musicais, saraus poéticos, exibição de filmes, lançamentos de livros, bazares e várias outras atividades que envolvem a arte e a cultura. Além disso, é um ponto de encontro, onde quem for estará diante de pessoas de alto astral, dispostas a um bom bate-papo. A Asa se mantém através da contribuição mensal de cerca de 50 colaboradores e da arrecadação da venda de produtos ali comercializados. É tudo simples, dinâmico, objetivo. As coisas acontecem numa boa, sem burocracia, editais, licitações e outros entraves que acabam com a arte, a poesia e enchem o saco de qualquer um.
Enquanto o mundo se depara com infindáveis guerras regionais, conflitos que podem nos levar a uma apocalíptica 3ª Guerra Mundial, na Asa de Papel só dá beleza, acolhimento e cordialidade. Nesse mágico ambiente, as pessoas desconectam-se do mundo virtual, da ditadura dos celulares, para mergulharem no mundo real do olho no olho, do falar e ouvir, da troca de ideias e opiniões. O respeito mútuo é código aceito por todas (os), nada de ego trips e devaidades. A prepotência e a arrogância ficam do lado de fora. Dentro da Asa afloram as qualidades humanas, a solidariedade, a tolerância, a brodagem. Por isso é que nos seus 9 anos de existência, nunca rolou uma briga, um arranca-toco, um quiprocó na Asa de Papel.
No local onde hoje funciona a Asa, existia a livraria do Álvaro Gentil, a gentileza em pessoa, diga-se de passagem. Por várias razões, ele resolveu fechar o comércio. Aí entrou em cena o mentor da Asa de Papel, o multiartista Marcelo Xavier, que lançou a ideia de pegar o espaço e transformá-lo num lugar onde caberia todo mundo. O projeto vingou, um grupo assumiu as tarefas necessárias para a adequação do ambiente, tratou do contrato com o locador, cumpriu as formalidades legais e o sonho da Asa de Papel tornou-se realidade.
Poderia citar várias pessoas incríveis que de alguma maneira fazem da Asa esse lugar maravilhoso, porém seria uma lista enorme. Mas, por uma questão de justiça, vou citar, além do Marcelo Xavier, o Renato Machado. Um cara que, com o seu jeito maneiro, discreto e eficiente, cuida de todo processo funcional do coletivo: administra a grana, faz a pauta e agenda de eventos e é pau pra toda obra, carregando mesas e cadeiras daqui pra ali numa disposição que não tem igual. Os outros participantes do grupo, a sua maneira, contribuem somando forças para que a Asa permaneça sempre aberta.
E é legal pensar que a Asa é completamente independente, não tem o rabo preso com ninguém, não depende de verbas ou recursos públicos e privados. Essa autossuficiência garante a total liberdade de expressão, fazendo com que todas as manifestações sejam aceitas sem restrição. Por vocação e convicção, a Asa de Papel é um espaço onde a democracia prevalece, por isso eu digo e repito: o mundo podia ser assim!
Revisão: Hilário Rodrigues
Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas
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