BILLIE HOLYDAY – Fruta Estranha no quintal do KKK (Ku Klux Klan)
Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste
A história da cantora de jazz/blues Billie Holiday tem tudo a ver com as trágicas biografias de figuras como Little Richard, James Brown ou mesmo Janis Joplin (que apesar de ser branca sofreu amarga discriminação). O que existe em comum entre eles(as) é a sórdida segregação racista, tão americana quanto a torta de maçã (serve para a violência também), que faz do homem branco um caçador ferrenho, capaz de matar de diversas formas, seja através da humilhação, do abuso do poder econômico, ou chegando até o uso das tochas flamejantes da Ku Klux Klan (Trump e sua gang já preparam uma nova e incandescente cruzada).
Mas antes de qualquer coisa precisamos falar das magistrais interpretações de Billie Holiday (nascida em 1915, com o nome de Eleanora Fagan) que, ao contrário de várias pseudo cantoras (es) que se apresentam por aí, tinham o dom de fazer sua voz vibrar de maneira singular, trazendo contornos e requintes sonoros únicos e originais. “Cantar Jazz” era algo impensável na sua época, mas ela teve a ousadia de se arriscar nesse inexplorado terreno e cravar sua marca. Tendo como influência a grande cantora Bessie Smith (1894-1937), Billie, sem qualquer tipo de estudo ou preparo, usou de pura intuição para desenvolver seu inigualável estilo.
“—Não acho que cante. É como se tocasse uma buzina. O que sai é o que sinto. Odeio simplesmente cantar. Tenho que mudar o tom para adaptá-lo à minha forma”, afirmava Holiday quando perguntavam pelo seu jeito diferente de cantar.
Foi sua interpretação de “Strange Fruit”(Fruta Estranha), cuja letra escrita pelo professor judeu Abel Meeropol, sob o pseudônimo Lewis Allen, denuncia os linchamentos de negros em estados do sul dos EUA. “Eu escrevi Strange Fruit porque odeio os linchamentos, odeio injustiça e odeio as pessoas que perpetuam (estas práticas)”, afirmou Meeropol. A música, considerada uma das mais importantes do século XX, consolidou BH como uma das maiores estrelas do jazz e marcou uma divisão de águas na sua carreira.
A vida de Billie nunca foi fácil. Seus pais eram adolescentes, ambos músicos que tinham, respectivamente, 15 e 13 anos, quando ela nasceu. Acabou sendo criada por uma tia. Aos 10 anos de idade, Billie foi estuprada por um vizinho. Com 15 anos já cantava em bares do Harlem, NY, para ajudar nas despesas de casa. Depois, sua carreira decolou e ela passou a cantar com as bandas de grandes nomes como Duke Ellington e Louis Armstrong, além de gravar uma série de hits com o saxofonista Lester Young. Apesar do sucesso, Billie mergulhou nas drogas, incluindo heroína, e no álcool, passando a sofrer intensa perseguição por parte de um agente de narcóticos do FBI, Harry Anslinger, um obstinado cana que não sossegou enquanto não meteu a cantora na cadeia. BH divulga que era perseguida não por causa da guerra às drogas, como poderia supor a opinião pública, mas sim porque a canção “Strange Fruit”, virou um hino contra o linchamento de afro-americanos. Na tentativa de calar sua voz, o governo precisava minar sua carreira.
Em 1947, a polícia finalmente conseguiu prender Billie por oito meses e cassar sua licença para continuar cantando. Ao sair da cadeia, a carreira da artista estava praticamente acabada, obrigando-a a atuar em pequenos bares e casas de espetáculo. Mesmo assim, ela continuou a ser vigiada pela polícia, que tentou por diversas vezes incriminá-la, inclusive em seu leito de morte, onde ficou algemada até morrer.
“God Bless the Child”,”Gloomy Sunday”, “Lover Man”, “Summertime”, “I’ll be seeing you”, “Crazy calls me”, “Body and Soul” são algumas de suas canções mais famosas.
Dois trailers de filmes sobre a trajetória de Billie Holyday: Lady Sings the Blues
e The United States vs. Billie Holiday
Fruta Estranha – (Abel Meeropol) sob o pseudônimo de Lewis Allen
Strange Fruit
Árvores do sul produzem uma fruta estranha
Southern trees bear strange fruit
Sangue nas folhas e sangue nas raízes
Blood on the leaves and blood at the root
Corpos negros balançando na brisa do sul
Black bodies swinging in the southern breeze
Fruta estranha pendurada nos álamos
Strange fruit hanging from the poplar trees
Cena pastoril do valente sul
Pastoral scene of the gallant south
Os olhos inchados e a boca torcida
The bulging eyes and the twisted mouth
Essência de magnólias, doce e fresca
Scent of magnolias, sweet and fresh
Então o repentino cheiro de carne queimando
Then the sudden smell of burning flesh
Aqui está a fruta para os corvos arrancarem
Here is a fruit for the crows to pluck
Para a chuva recolher, para o vento sugar
For the rain to gather, for the wind to suck
Para o sol apodrecer, para as árvores derrubarem
For the Sun to rot, for the trees to drop
Aqui está a estranha e amarga colheita
Here is a strange and bitter crop
Revisão: Hilário Rodrigues
Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas
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