Crônica Elza Soares
Crônicas Musicais

Crônica Elza Soares

ELZA SOARES – Sobrevivente do Planeta Fome

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

Como Billie Holiday, D. Ivone Lara, Clementina de Jesus e outras grandes cantoras negras, Elza Soares (1930-2022) precisou lutar com unhas e dentes pra sobreviver e conquistar seu espaço. Teve que rebolar pra fazer com que a sua voz, estranha para os padrões bem comportados de então, pudesse ser aceita e respeitada. A cor da pele faz diferença sim! No seu tempo, os holofotes iluminavam as estrelas da bossa nova ascendente. Todas moças brancas, finas, de classe média como Nara Leão, Sylvia Teles e Maysa. As atitudes de ES, o timbre rasgado de sua voz, sua maneira de ser pouco convencional, criaram barreiras. Sua performance desagradava os mandachuvas do rádio, da TV e das gravadoras.

Mas, o que pegou mesmo (fazendo com que ela quase fosse jogada pra escanteio) foi quando se meteu com o craque de futebol Mané Garrincha. O jogador era o típico modelo dos boleiros da época: ingênuo, humilde e um casamento bem-sucedido(teve 7 filhas. Os 7 Gatinhos?). Morava com a família no bucólico vilarejo de Pau Grande, distrito de Magé, no Grande Rio.

Até então, suas diabruras limitavam-se a entortar os adversários com seus dribles desconsertantes e tomar uma caninha, uma vez sim, outra também, nos bares da vida. No mais, era o protótipo do profissional de futebol que convinha aos cartolas: craque, mal remunerado, pacato e obediente.

O romance Elza-Mané virou manchete em 1962, logo após a Copa do Mundo do Chile, quando Garrincha largou sua esposa para ficar com a cantora.O relacionamento foi condenado pela conservadora opinião pública da época, levando os dois a se mudarem para Roma, onde viveram por dois anos.

A turbulenta relação que durou 17 anos teve um conhecido episódio de violência doméstica. Agredida pelo jogador, que era alcoólatra e enfrentava uma derrocada financeira, ES preferiu não denunciar o caso à polícia.

Elza da Conceição foi seu nome de batismo. A cantora teve uma infância pobre em Água Santa (bairro do Rio de Janeiro) onde trabalhou como faxineira, empacotadora e doméstica. Casou-se aos 12 e foi mãe aos 13. O sobrenome Soares vem do primeiro marido.

A pobreza extrema levou um de seus filhos, que morreu de pneumonia. Buscando alternativas para conseguir algum dinheiro, ela se inscreveu no programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso, na Rádio Tupi. Subiu ao palco com vestimentas improvisadas, sustentadas por alfinetes de fraldas. Sua magreza impressionava. ES foi alvo de uma pergunta irônica de Ary Barroso:

— “De que planeta você veio, minha filha?”.

—”Do planeta fome”

Ela respondeu na lata.

Elza cantou “Lama”, recebendo a nota máxima dos jurados. Ary, então, anunciou que, naquele exato momento, acabava de nascer uma estrela.

Em 1999, foi eleita pela Rádio BBC de Londres como a cantora brasileira do milênio. A escolha teve origem no projeto The Millennium Concerts, da rádio inglesa, criado para comemorar a chegada do ano 2000. Além disso, ES aparece na 16ª posição da lista das 100 maiores vozes da música brasileira elaborada pela revista Rolling Stone Brasil.

Apesar das décadas de carreira e dos sucessos acumulados, uma das marcas de Elza era não se prender ao passado e procurar vôos artísticos diferentes a cada novo álbum. Flertou com vários gêneros musicais como samba, jazz, sambalanço, bossa nova, mpb, soul, rock e música eletrônica.

Ela comentou sobre a sua constante reinvenção durante toda a carreira: “My name is now (meu nome é agora). E deixa o futuro vir. Como deveria ser. O passado já foi”.

Curiosamente, Elza faleceu em 20 de janeiro de 2022, aos 91 anos, mesmo dia (20/1) em que Garrincha morreu, aos 39 anos, de cirrose hepática, em 1983.

Dica:

Elza e Mané – Amor em Linhas Tortas – documentário Globoplay, com direção de Caroline Zilberman

Peguei carona em:

https://www.bbc.com/portuguese/geral-60077675

Pitacos e revisão: Hilário Rodrigues

Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas

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