Palavra Ferida
Yeda Prates Bernis
Imprensa Vega, BH - 1979
15 x 23 cm - 92 páginas
Sinopse:
Um olho na terra, outro no céu: este verso de "Auto-Retrato" é bem significativo da posição que Yeda Prates Bernis assume em seu livro, Palavra Ferida. Quer dizer, mostra-se ela apta a traduzir sentimentos nascidos da realidade que a envolve e a apreender aqueles vozes que vêm do além do ser e se ligam a uma supra-realidade de que todo poeta, na sua busca do essencial, acaba por sentir a ressonância.
Alcançando a unidade através de variado tom, Yeda Prates Benis, afirma ainda uma vez em Palavra Ferida - título vivamente significativo do que contém, do que irradia este novo a belo livro seu - a paixão da poesia, da poesia que se mostra, nestas páginas, como de resto já se mostrara em anteriores poemas seus, em sintonia com a sua maneira e a capacidade de, mesmo reconhecendo-lhe as arestas e asperezas, envolvê-la de amor e de esperança.
Poemas:
O ESQUIZOFRÊNICO
O sol
- uma lua
enlutada.
O passo
- o espaço
de um quarto
sem porta e janela.
Feridas gotejam
da mente
roxa - mente.
A angústia
- fluxo e refluxo
de oceano.
Centelhas de cristal
perfuram-lhe
a sensibilidade
Inútil
mente:
é pássaro
de asas cortadas.
FRANCISCO
Teu gesto,
sagrada
vitória
da loucura.
Teus passos,
pegadas
de luz
pelos tempos.
Teu espírito,
leveza
de vôo
de teus pássaros.
Teu amor,
reflexo
do olhar
divino.
LIBERDADE
Voa o pássaro,
e a linha
de seu vôo
é geometria
que desconheço
e sofro.
SOBREVIVENTE
Sobraram-me
estes mesmos ossos,
esta mesma carne,
duas ou três verdades
flutuando entre sargaços,
farrapos de passado
sobre a pele,
destroços de destino
recolhidos beira-vida,
este temor de tormenta,
e este náufrago cansaço,
este náufrago cansaço.
AMAR
Reinventar
a cada instante.
Tirar do nada tudo.
Recriar o inexistente.
Tecer com mãos de seda o infinito.
Aspegir de vívidas estrelas os caminhos.
Postar-se humilde diante do eterno.
Instaurar o mistério sem tentar desvendá-lo.
Ser mágico:
da cartola, a fantasia.
Palhaço em arena:
quantas gargalhadas ao redor!
equilibrista
na altura - sem a corda.
Trapezista
parado no ar
- sem o trapézio.
Ser genial
ser insano:
amar.
DESTINO
Cavalgo
sem rédeas
um potro
indomável.
ROSA DOS VENTOS
Sejam teus pés a minha senda exata
seja tua voz o meu falar isento
sejam teus olhos minha aurora intata
seja teu respirar o meu alento
sejam teus músculos minha carne em sangue
sejam tuas mãos meu infinito porto
seja tua dor o meu viver exangue
sejam tuas rugas meu andar absorto
seja teu desalento meu cansaço
seja tua paisagem meu azul
sejam teus sonhos todo o meu espaço
seja teu norte-sul meu norte-sul.
SUICIDA
Perdi-me
em cansaço
no espaço da dor:
desaprendi claridade.
Perdi-me
em cansaço
na treva em abismo:
desaprendi caminho.
Perdi-me
em cansaço
nas dunas do tédio:
desaprendi harmonia.
Perdi-me
em cansaço
na névoa da angústia:
desaprendi esperança.
Perdi-me
em cansaço
na trilha do anseio:
desaprendi alegria.
Perdi-me
em cansaço
no porto da carne:
desaprendi instinto.
SOLO DE OBOÉ
Solo de oboé,
fio de seda
envolvendo
a memória,
tessitura
de sombra
se esgarçando
em lembrança,
novelo
de sons
se desfiando
em outroras,
esmaecida
promessa
de cumplicidade
com a alegria,
tênue fímbria
de melancolia.
LIBERTAÇÃO
Tenho a palavra ferida
e a mente amordaçada,
o pé plantado em raiz,
o olho posto na treva.
sou pedra de asa cortada
e anjo atirado ao chão.
Desta urdidura me evado
se a vida, fluindo heráclita
na trama inquieta do tempo
- passando por sobre escombros
pousando em trigais de luz -
tecer-me toda de amor.
PASSIONÁRIA
Eu te amo jeca jeca - rubro coração trespassado em seta
eu te amo junina - bandeirinhas coloridas, balões ao ar