A Poesia no Século XX
Antologia
Assis Brasil
Imago Editora, RJ - 1998
16 x 23 cm
POEMAS:
POETA
Tenso como
corda de violino
ou prestes a detonar
sua bomba
interior.
(Das Oliveiras
o amor
escorre da face
do Poeta Maior
e se transmuta
séculos afora
em sangue
sobre a terra.
O Pensador de Rodin
medita
medita
medita).
Estás num túnel
sufocante
pressentindo
a opção cósmica
que gratuita não floresce.
AUTORETRATO
Vocacional estrabismo divergente:
um olho na terra, outro no céu.
Nadadora, vai singrando em largas
ou tímidas braçadas
oceanos, rios e lagos de emoção.
Solfeja alguns idiomas
para ler poemas,
cantar canções
e esconder, neles,
sua ternura pela humanidade.
Acredita em sereia, fada
Iemanjá, Saci-Pererê e outras coisas
mágicas com que depara, desavisadamente.
Acha o livre-arbítrio tão discutível
quanto a verdade,
e o bem e o mal, faces da mesma moeda.
Vive com Vivaldi no coração
e Debussy na ponta dos dedos.
Borda, com fios insólitos do tempo,
pacientes pontos de esperança.
Traz a alma na boca,
abraça e beija muito,
e vive sorrindo
para mostrar atávica
alegria infeliz.
TEOFANIA
Para Marília Paletta
O rosto de Deus se espraia
entre o cristal e a lama
(atende Sua presença
a vermes e arcanjos).
Entre galáxias e labirintos
solfeja bachianas.
Por seu balbucio cósmico
Heráclito, Galileu e Einstein
suspeitaram mistérios.
O rosto de Deus sonha acordado
as coisas e seus nomes,
instaura geometrias,
aciona a alavanca dos movimentos
e com transcendente paleta
resgata a vastidão das formas.
Não há lágrimas
no rosto de Deus.
Uno em suas máscaras
transborda silêncios
entre os instantes e o eterno.