13. Quando aconteceu e como foi a sua comemoração dos 25 anos de carreira?
— Aconteceu em 2006, na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. A ilustradora e artista plástica Regina Rennó organizou uma retrospectiva da minha produção e houve uma performance surpresa, preparada por um grupo de teatro que interpretou trechos de livros meus. Para culminar tanta emoção –pois compareceram até parentes de outra cidade a essa festa – o grupo “Tudo era uma vez”, formado por Dôra Guimarães e Elisa Almeida, presenteou-me declamando, com competência e sensibilidade, alguns poemas meus. Foram momentos que não vou esquecer.
14. Você enviou de Belo Horizonte um livro para uma menina chamada Melissa, com uma dedicatória repleta de lindeza. Claro que esse seu gesto é altamente revelador da personalidade de sua condição de poeta. O que demonstra não haver contradições entre o ser que escreve poemas e a pessoa que se diz Angela... Para você, isso é natural, não é?
— Como disse lá no comecinho desta conversa, tenho a minha dualidade, como quase todo mundo. Fui uma criança calma, dócil e, ao mesmo tempo, moleca, alegre. Adulta, tornei-me reservada, mas irônica, lutadora, mas que foge de brigas. Unindo tudo isso, tenho uma sensibilidade à flor da pele, que me faz cultivar a delicadeza. Talvez como um meio de me proteger... E esse modo de ser é, sim, muito natural para mim.
15. Participou de um evento ao lado de Lino de Albergaria, e estava radiante, como só poderia, mas conte-nos sobre esse evento.
— Você deve estar se referindo à nossa foto, tirada no dia em que lançamos, em 2009,
“sinos_e_queijos.com”, um livro escrito a quatro mãos. Foi um lançamento coletivo promovido pela Editora Dimensão num espaço muito agradável, em Belo Horizonte, e o clima era mesmo de festa e alegria. Esta foi mais uma das muitas parcerias que já fiz com esse grande autor, pois temos uma sintonia fina que permite mesclar nossos estilos com harmonia. E o Lino, além de colega de letras e de trabalho (na Assembleia Legislativa), é um querido velho amigo.
16. Conte como foi para você "chutar o balde", e onde os leitores podem ler essa sua crônica?
— A crônica foi publicada na “coluna virtual” que assino no site
www.primeiroprograma.com.br. Como é uma colaboração semanal, talvez não esteja mais acessível no link que remete aos textos anteriores... Foi o relato de umas férias que resolvi tirar, por 24 horas, das minhas muitas responsabilidades. É possível, é saudável, é inofensivo, eu recomendo.
17. Envolveu-se com alma numa pesquisa sobre as montanhas de Minas. Poderia, por gentileza, nos falar sobre esse projeto e no que ele resultou?
— Creio que você está se referindo ao meu mais recente e acalentado projeto, que se concretizou no livro
“Um verso a cada passo – a poesia na Estrada Real”, publicado pela Editora Autêntica no ano passado. Não foi, portanto, apenas nas montanhas mineiras que me embrenhei e sim nesse longo e histórico percurso que atravessa três estados brasileiros e ainda deriva para a Bahia. Foram cinco anos de pesquisas, leituras e coleta de imagens e materiais com que eu iria ilustrar os poemas que compõem o livro, usando a técnica de bordado e colagem em tecido. Valeu a pena tanto trabalho: ele participou da Feira de Bolonha, na Itália, recebeu o selo
“Altamente Recomendável” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, FNLIJ, e, mais recentemente, foi selecionado para o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares, PNBE.
18. Seu livro "As Duas Vidas de Helena" é um livro juvenil? Conte algo sobre ele, como pode ser encontrado, etc...
—
“As duas vidas de Helena” foi publicado pela Editora Paulus em 2006 e é um livro escrito sobre e para adolescentes. Conta a história das dificuldades de adaptação de uma menina que muda de cidade e de escola, fala do despertar do coração e da necessidade de sermos autênticos para viver com mais felicidade.
19. Minha família ama você. Fale sobre a sua infância, para que possamos ter pistas do desenvolvimento dessa forma de ser de Angela Leite...
— Esse “declaração coletiva” me acalenta a alma, acredite!
Tive uma infância muito feliz, cercada de pais amorosos e uma grande família – como costumam ser as mineiras – tanto do lado paterno quanto materno. Esses muitos tios e tias, além dos avós, me contavam charadas e adivinhas, lorotas e histórias, formando o repertório de lembranças que venho transpondo para minha obra. Como passei a primeira infância numa Belo Horizonte muito pacata, em casa com quintal, brincando livremente na rua e sem tantas diversões quanto tem a criançada de agora, precisava de recorrer à imaginação, aos materiais caseiros e aos poucos brinquedos industrializados disponíveis para me divertir. E, com isso, exercitei uma habilidade que considero mais preciosa ainda que a criatividade: a de me contentar com muito pouco e nunca sentir tédio.
20. Tem o sobrenome Leite, e dessa palavra vem Leitura, que é, de forma resumida, o leite da alma... Como vê o suposto distanciamento das crianças da leitura nesses dias de apetrechos tecnológicos tão fascinantes, entre os quais o celular, e assim sendo, dê uma dica sobre o que pensa que poderia ser feito para atrair de vez os meninos para a leitura.
— Como disse na resposta anterior, tive de fato essa nutrição, inclusive de muita leitura, em minha formação. Não há outro jeito de levar as novas gerações ao livro, penso, senão lendo com eles desde muito pequenos, enchendo o quarto e a casa de livros, demonstrando através de nosso comportamento o prazer que a leitura traz. Mesmo sabendo que o livro digital certamente irá preponderar num futuro não muito distante, não acredito no desaparecimento do livro de papel. Por isso, nós que temos no livro uma das nossas razões de ser, devemos agir como se seu desaparecimento seja uma impossibilidade e prosseguir cultivando/incutindo o amor a esse objeto mágico, apesar de tão desprovido de tecnologia.
21. Ainda no rastro da pergunta anterior, considera que a escola precisa passar por alguma revolução ou o aluno que tem que ser enquadrado numa escola que de modo geral não satisfaz o espírito da época?
— A escola risonha e bela daquele hino que cantávamos na década de 50 nunca se concretizou, nem mesmo em Summerhill. De lá para cá, a pedagogia passou por n metamorfoses, assumiu posturas as mais diversas – indo de um fantástico Paulo Freire a desastres como o banimento da repetência. Hoje, o que se constata no Brasil é a generalizada deterioração do ensino, em razão de políticas educacionais que não promovem o professor nem incentivam essa carreira. Em suma, ainda está por surgir entre nós o sistema, não digo perfeito, mas suficientemente bom para elevar a qualidade da aprendizagem e, consequentemente, a dos formados e dos futuros mestres. Essa a grande revolução que se espera e que pode fazer do brasileiro um leitor no sentido mais completo do termo.
22. É uma autora voltada para a Literatura Infantil, inclusive com Poesia... Considera que a Literatura Infantil seja somente para crianças?
— Comecei na literatura escrevendo para os adultos e só oito livros mais tarde publiquei o primeiro para crianças. Daí por diante, o gosto de escrever para esse público, somado à possibilidade, que logo descobri, de também ilustrar os textos, me levou à especialização nesse gênero. É claro que tenho uma faixa etária em mira quando crio histórias, poemas ou imagens. Mas, assim como a minha “criança interna” se diverte escrevendo e ilustrando, a de outros adultos certamente poderá se identificar nos livros infanto-juvenis. Um exemplo: uma tia minha, aos 80 anos, tinha na cabeceira um livro meu de poemas para crianças que ela lia todas as noites, antes de dormir. E me dizia que se emocionava sempre... A poesia, especialmente, é uma linguagem que aproxima crianças e adultos, penso eu.
23. De um modo geral é difícil lidar e até romper com os entraves e as dissonâncias do espírito que paira nos grupos, e isso não é definitivamente um fenômeno apenas contemporâneo nem exclusivo do Brasil, mas percebo em você um trânsito de sua alma (nenhum sentido religioso aqui nessa palavra) que faz com que ultrapasse tais coisas com delicadeza e serenidade. Acredita que o amor pela arte da literatura pode modificar circunstâncias?
— O coletivo é sempre muito difícil mesmo de administrar. Estar bem dentro de um grupo composto por pessoas com um interesse comum pode ajudar bastante, mas a consonância não é necessariamente o que acontece. As pessoas são falíveis, trazem bagagens bem distintas umas das outras, o que constitui sua riqueza, têm suas complexidades e, no campo da arte, suas ambições e vaidades também. O que não se pode, quando se é parte de um grupo ou associação, é deixar o bom senso e a serenidade serem vencidos pela paixão e pela parcialidade. Assim sendo, o amor, não somente pela arte, mas também pela harmonia, é o que mais conta.