Konstantin Stanislawski
Teatro Contemporâneo

Konstantin Stanislawski

Teatro  Contemporâneo | Stanislawski

Texto: Cristina Tolentino
cristolenttino@gmail.com

 

Konstantin Stanislawski, dramaturgo

(uma proposta ética e a busca da organicidade na ação cênica)

stanislawski

Stanislawski (1863 – 1938), alguns meses antes do seu falecimento,
circundado por alunos, atores e diretores durante um ensaio em seu estúdio.
Foto retirada do livro “A Arte Secreta do Ator”, de Eugênio Barba e Nicola Savarese.

A contribuição de Stanislawski para o teatro moderno e contemporâneo é, sem dúvida, de fundamental importância, enquanto arte do ator e da montagem.

A busca de uma criação orgânica, em que o ator esteja inteiro e integrado na ação cênica e a dimensão estética e ética, trouxe para o teatro a recuperação do seu verdadeiro sentido: “viva a arte em você e não você na arte”.

Este conceito tornado prática nas experiências do teatro de Stanislawski, vem trazer uma nova dimensão a esta arte: a união do homem e do artista, a dedicação, a generosidade, a disciplina, a sensibilidade, a formação constante do ser inteiro do ator, o jogo dialético da interioridade e da exterioridade.

Konstantin Sergueievich Alexeiev Iakovlev é o nome verdadeiro de Stanislawski. Em seu trabalho procurou desenvolver nos seus atores habilidades e qualidades que proporcionaram aos mesmos, a oportunidade de liberar sua individualidade criativa, aprisionada, muitas vezes, por padrões estereotipados que Stanislawski percebeu e criticou no teatro comercial de sua época. Ele diz que a libertação e a individualidade devem ser o objetivo principal de toda escola teatral.

exercicios stanislawisk

Treinamento nos estúdios de Stanislawski em Moscou.
Seguindo a linha das ações físicas, exercícios com bastões.
Foto retirada do livro “A Arte Secreta do Ator”, de Eugênio Barba e Nicola Savarese.

Num primeiro momento, Stanislawski busca abrir o caminho das potencialidades criativas de seus atores. Potencialidades profundamente ocultas, que serão descobertas durante o processo de trabalho, através de atividades que preparem o ator para o trabalho criativo.

Ele vai buscar no inconsciente a fonte para esse processo. É neste estágio que Stanislawski trabalhou com seus atores ativando a “memória emotiva” (memória pessoal do ator) para a criação do personagem, além do “se” mágico (dada uma determinada circunstância, como eu reageria?).

Mas ao longo das suas pesquisas, ele vai percebendo que o trabalho em cima dos sentimentos é algo bastante abstrato. É quando descobre a importância das “ações físicas”. Nesta fase ele chega mesmo a negar a experiência anterior: “Não me falem de sentimentos, não podemos fixar sentimentos, só podemos fixar as ações físicas”.

É neste estágio que o conceito “memória emotiva” muda para “memória corporal”.
“O ator é o maestro das ações físicas”, diz Stanislawski. São as ações físicas que guiam o ator ao verdadeiro sentido no processo de elaboração de seu papel e também representam o meio principal para a expressividade do ator.

E uma das primeiras condições é que o ator pense no que vai fazer e não no que vai sentir: “o ator sobe no palco não para sentir ou experimentar emoções e sim para atuar.”

Stanislawski dizia: “Não espere emoções, atue imediatamente”. Persuadir, consolar, perguntar, reprovar, perdoar, esperar, perseguir são verbos que expressam ações da vontade, ao contrário dos verbos irritar-se, compadecer, chorar, rir, odiar, amar, que expressam sentimentos.

Se o ator ler na anotação do autor “chora” e busca com toda sua força extrair lágrimas, sendo que as lágrimas não surgem, vai acabar chorando de forma estereotipada. O mesmo acontece com o riso.

Quem não conhece uma risada forçada e falsificada de um ator? Este tipo de interpretação não atua sobre o público de forma mais profunda; só vai tocar na periferia de seu sistema nervoso”. O ator deve compreender a necessidade de realizar ações orgânicas, em que todo o seu ser esteja envolvido e presente: “o ator deve estar sério e não fingir seriedade”.

Para isto, ele deve acreditar no que faz, como “as crianças quando brincam – um pedaço de madeira passa a ser um carrinho ou um trem ou um avião e elas acreditam nesta transformação”.

Ao fundar o Teatro de Arte de Moscou, juntamente com Vladimir Nemirovitch-Dantchenko (1858-1943), Stanislawski assim descreve o que pretendiam: “Nós estávamos protestando contra a forma de se atuar no palco, contra a teatrada e o pathos afetado, a declamação e a representação exagerada, contra o sistema de estrelato que arruinava o ensemble, contra o modo como as peças eram escritas, contra a insignificância dos repertórios.

A fim de rejuvenescer a arte, declaramos guerra contra todos os convencionalismos do teatro: no desempenho, direção, cenário, trajes, entendimento das peças, etc”. O trabalho do ator, que deve levar a um teatro profundamente veraz e artístico, tem de ser escrupulosamente preparado pelo trabalho com o ator.

Stanislawski, em toda sua vida, deu o exemplo de que é necessário estar preparado para o trabalho, principalmente o trabalho de laboratório e dos ensaios enquanto processos criativos sem espectadores e o treinamento para o ator.

E o treinamento, indispensável para os atores, deve compor-se de exercícios de tipos distintos, mas ligados por um fim comum.
Cada “ação física” deve ser precedida por um movimento subcutâneo que flui do interior do corpo, desconhecido, porém tangível.

Diz Stanislawski: “Evitem no começo as tarefas demasiadamente difíceis. Agarrem com precisão as ações físicas ao seu alcance, busquem nelas a lógica e a conseqüência sem as quais não vão encontrar a verdade, a crença e finalmente esse estado que chamamos estou”.

Konstantin Stanislawski - parte dois

Ao falar em “ações físicas”, Stanislawski referia-se a um trabalho eminentemente técnico, que envolve o ator como ser humano integral ( corpo; mente e alma; interno e externo). O trabalho do ator sobre si mesmo, trabalho de percepção do movimento. A busca de uma ação acreditável. A credibilidade da ação, que é diferente de uma ação realista e que exige precisão, justificação interior, presença total do ator.

A plástica para Stanislawski não é um movimento, uma gestualidade qualquer. É aquela gestualidade que funciona na cena, no palco. Ações conscientes, não mecânicas, que vêm de impulsos interiores, que tenham conteúdo. Ações justificadas e funcionais.

exercicio stanislawisk

Representações da figura de Niké (vitória).
Foto retirada do livro “A Arte Secreta do Ator”, de Eugênio Barba e Nicola Savarese.

Foi ele que usou pela primeira vez o termo partitura. Segundo Eugênio Barba, o termo partitura, implica:

  • “a forma geral da ação, seu ritmo em linhas gerais (início, ápice, conclusão);
  • a precisão dos detalhes fixados: definição exata de todos os segmentos da ação e de suas articulações ( sats, mudanças de direção, diferentes qualidades de energia, variações de velocidade);
  • o dínamo-ritmo, a velocidade e intensidade que regulam o tempo (no sentido musical) de cada segmento. É a métrica da ação, o alternar-se de longas e curtas, de tônicas (acentuadas) e átonas;
  • a orquestração da relação entre as diferentes partes do corpo (mãos, braços, pernas, olhos, vozes, expressão facial).”

 

Stanislawski exigia que o ator tivesse uma linha de ação preparada. Essa linha devia ser a partitura das ações físicas, mas não simplesmente uma ação sem conteúdo, sem justificação interior.

Como diz Arkidius Nikolaievich, um dos atores de Stanislawski: “em toda ação física que não seja puramente mecânica e sim justificada em nosso interior, se encontra a ação interna, que é a vivência. Desta maneira se criam duas plataformas:interna e externa e as duas se infiltram mutuamente.”

Portanto, o trabalho das ações físicas não se reduz a simples ações vazias. Entra aqui um jogo de uma série de propriedades do organismo de onde se liberam os impulsos que nascem das ações físicas e ao mesmo tempo as impulsionam.

É um processo, onde há a participação simultânea de todas as forças intelectuais, emocionais, espirituais e físicas do organismo.
Stanislawski dizia:

“agarrem-se com mais força às ações físicas. Elas são as que lhes darão a liberdade e a genialidade artística da natureza criadora”

(….) “as qualidades nascidas desta técnica têm que formar a base da arte de nosso teatro, diferenciando-o de todos os demais. É uma arte sublime. Porém, exige um constante trabalho de auto-aperfeiçoamento. De outro modo, corre o perigo de degenerar, de anular-se, um perigo muito mais imediato do que vocês mesmo supõem”

(…) ” O domínio da técnica deve ser patrimônio de todo o nosso organismo teatral, abarcar todos os seu atores e diretores. Nossa arte é uma arte coletiva. Não nos basta ter alguns intérpretes brilhantes em cada espetáculo.Temos que pensar, conceber o espetáculo como uma conjunção única e harmoniosa de todos os seu elementos, como uma obra de arte total”

(…) ” As bases desta técnica não pode ser transmitida nem oralmente nem por escrito. Tem que ser estudada na prática”.

Para Stanislawski, a arte está em constante desenvolvimento, em constante movimento e exige constante renovação, auto-aperfeiçoamento: ” e recordem isto: de vez em quando ( quatro a cinco anos) todo ator talentoso e exigente tem que voltar a aprender o seu ofício a partir do zero.

Há que procurar, dia após dia, elevar sua cultura artística.
Ele mesmo, foi o grande exemplo desse estar em movimento, foi um incansável pesquisador da arte do ator. Sempre em busca da resposta do “com fazer?”, “do como tocar o que não é tangível?”. Cada descoberta foi etapa para outras descobertas, portanto, nunca cristalizadas por ele.

O tão falado “método de Stanislawski” não pode trazer este conceito de fechado, fixado, o que levou muitas pessoas a reduzir e não avançar no aprofundamento de suas pesquisas e experimentações.

Como diz Franco Rufini em “A Arte Secreta do Ator”, de Eugênio Barba e Nicola Savarese: o “sistema de Stanislawski é um sistema, não o sistema” (…) “isso não exclui a existência teórica e metodológica, no trabalho do ator stanislawskiano, de um nível que ocorre antes da manifestação do sentido, um nível que existe anterior à expressão e que é uma condição parta ela. Esse nível é o pré-expressivo, do qual fala a antropologia teatral e é independente das escolhas poéticas e/ou estéticas do diretor”.

E termino com uma afirmação de Stanislawski ao falar sobre o sistema: “não se trata de “realismo” ou “naturalismo”, mas de um processo indispensável para a nossa natureza criadora.”

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