STICKY FINGERS E O INVERNO JUNKIE DO ROCK AND ROL
Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste
O rock and roll surgiu trazendo alegria, alto astral e boas vibrações. Ao longo dos tempos rimou rebeldia com irreverência, celebração com entusiasmo. E seguiu nessa toada de Chuck Berry ao The Who. Mas eis que entra em cena a cocaína (“She don’t lie, she don’t lie, she don’t lie, Cocaine” (ela não mente) prevenia Eric Clapton através da letra de J.J. Cale) arrebentando tudo e empurrando o astral ladeira abaixo. Daí pros opiáceos foi um pulo. Virou cult cultivar a autodestruição.
Recentemente, andei ouvindo o álbum Sticky Fingers dos Stones. Acho o som legal, mas muitas canções soam de maneira triste, trash, cheias de melancolia niilista, que remetem às paisagens desoladas onde se arrastam os junkies (viciados em heroína). As letras de SF tratam de mortes por overdose em hospitais e clamam pelo apoio gelado de “sister morphine” (irmã morfina). Estamos falando do ano de 1971, quando o mundo junkie estava se alastrando e atingindo em massa a mesma juventude que em 1969 fumava um inocente baseado em Woodstock e acreditava que a Nova Era ia logo chegar. As vozes da contracultura afirmavam que a disseminação do consumo da heroína, entre os jovens, era mais uma das estratégias do governo Nixon para tentar frear as grandes manifestações contra a Guerra do Vietnam. A maior delas (500 mil participantes) aconteceu em maio de 1971 em Washington DC e resultou na prisão de mais de 12 mil pessoas.
Sticky Fingers pode ser traduzido por “mão leve”, remetendo aos dedos ágeis dos batedores de carteira, mais uma das alusões dos Stones ao mundo marginal. Quem me aplicou nesse disco foi o saudoso amigo, o compositor Marco Antônio Araújo (1949-1986). Nos encontramos em Madrid quando eu ia para os EUA e ele para Londres. Lembro que fomos a uma loja de discos no centro da cidade, e, numa daquelas cabines onde a gente podia escutar um pouco do álbum, ele foi passando as faixas do vinil e fazendo comentários entusiasmados sobre o som, que eu também curti bastante. Gostei tanto do disco que, no dia seguinte, voltei à mesma loja e apresentei o som à namorada espanhola que eu tinha descolado em minhas andanças madrileñas.
Este é apenas um dos discos onde artistas que antes tratavam de temas mais alegres e vibrantes mergulham no mundo sombrio das drogas pesadas. Drogas que roubaram a vida de milhões de pessoas em todo mundo, causando muita desgraça e arrastando uma geração para o fundo do poço. Da inquieta criação do rock mais legal de todos os tempos, os caras do The Who se meteram em todo o tipo de confusão que acabaram causando as mortes prematuras do baterista Keith Moon (álcool, anfetamina e tudo que pintasse na reta!) e do baixista John Entwistle (cocaína a mil). Os dois sobreviventes: o compositor e guitarrista Pete Towshend também tomou todas, indo do álcool às drogas pesadas como cocaína e até heroína. O único que mantinha uma postura mais sóbria era o cantor Roger Daltrey. Compensava suas frustrações saindo na porrada com Deus e o mundo, tendo, inclusive, dado violentos socos em Keith Moon e em Pete Towshend.
John Lennon trata da abstinência de heroína na sua música Cold Turkey, gíria usada para designar a síndrome de quem passava enorme sufoco quando não tinha acesso à droga. Vi muitos “perus gelados” tendo câimbras horríveis, se entortando, gemendo, suando frio de fissura. Reza a lenda que John e Yoko chegaram a cheirar (sem injetar) heroína quando a barra pesou pra eles em NYC. Outra lenda diz que o Stone Keith Richards trocou todo o sangue de seu corpo, envenenado pela heroína, por sangue puro e novo numa clínica na Suíça. “De acordo com algumas fontes, Keith se submeteu a hemodiálises, as quais permitiram a remoção de substâncias tóxicas de seu corpo para que não houvesse possíveis danos a seus rins.” (Whiplash.net magazine)
O antológico grupo revolucionário de Detroit, MC5, acabou cedendo à tentação e, pelas mãos de Iggy Pop e seus asseclas do Stooges, entrou na onda da herô. Resultado: deram as costas à revolução, deixando John Sinclair e o Rainbow People’s Party a ver navios e foram tentar uma carreira mais “comercial” em outras plagas.
Sid Vicious, baixista do Sex Pistols tinha apenas 21 anos em 1979, quando teve uma overdose de heroína e morreu. O filme Sid and Nancy (1986) mostra a loucura da vida do músico e sua namorada, ambos entregues ao domínio fatal da herô. Hillel Slovak, 26 anos, um dos fundadores do Red Hot Chili Peppers, faleceu em junho de 1988, vítima de uma overdose de heroína. Layne Staley, vocalista do Alice In Chains, morreu em abril de 2002 e a causa de sua morte foi overdose de cocaína e heroína. Ironia do destino foi o ataque cardíaco que levou a vida de Jerry Garcia, guitarrista do Grateful Dead. Morreu em agosto de 1995, aos 53 anos, em uma clínica de desintoxicação em Forest Knolls na Califórnia. Garcia era uma figura emblemática, talvez o maior símbolo da contracultura de todos os tempos.
E para chatear, ou não, existe um grupo canadense chamado Cowboy Junkies (fundado em 1985) que faz uma musiquinha mais ou menos, como “Sweet Jane”. Nenhum deles morreu de overdose e estão em turnê agora, em 2024, pelos USA.
Será que procede o verso de Cazuza: “meus heróis morreram todos de overdose”?!
Revisão: Hilário Rodrigues
Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas
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