Crônica Jovem Guarda
Crônicas Musicais

Crônica Jovem Guarda

JOVEM GUARDA – É um brasa, mora?!

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

Eu devia ter uns 13 anos e inventei de tocar bateria. Peguei umas panelas da minha mãe, improvisei uns pratos e, junto com o amigo Ricardo “Loquinha” ao violão, me metia a imitar não os Beatles, mas os Brazilian Bitles (sic), uma banda cover dos de Liverpool que começou a aparecer muito nos programas de televisão. Eu estava longe de ser cabeludo e muito menos revelava pendores musicais. O barato era tentar o frisson do iê-iê-iê, como o rock era chamado por aqui, balançando a cabeça e pronunciando palavras no inglês de araque que articulávamos.

No final dos anos 50 já tinha pintado Cely Campello, que podemos considerar a primeira representante do rock no Brasil. Mas o som da gata não me pegou. Já o som dos Beatles, por uma fina alquimia, além da música que me agradava, me provocava movimentos corporais que me eram completamente inéditos. Sim, inusitados! Minha geração cresceu sob o estigma do “bom comportamento”, das maneiras contidas, da vida regrada de classe média católica, careta, travada. Pra ilustrar o meu ambiente familiar: meu pai, advogado, atleticano doente, acreditava na balela da propaganda do tio Sam. Inclusive, recebia publicações da embaixada americana que enalteciam o american way of life (ou, death) e alertava contra os perigos do comunismo internacional. E ele, meu pai, encarnava o papel de defensor da liberdade e da democracia nas acaloradas discussões que aconteciam nos natais passados na casa da minha avó.

A televisão foi ocupando cada vez maior espaço na vida das pessoas e, como Hollywood, passou a ditar moda. Quando pintou o programa Jovem Guarda na tela da TV Record, em 1965, o “movimento”, se pudermos chamar assim, ganhou dimensão nacional invadindo os lares. A identidade da JG pode ser creditada a posturas e atitudes daquele que pintava como seu líder: Roberto Carlos. Um cara simples, sem quaisquer pretensões intelectuais, compositor de canções, a maioria em parceria com Erasmo Carlos, que tratavam do recorrente tema romântico, misturado com o deslumbre dos carrões, da velocidade e dos delírios de megastar, incluindo iates e coisa e tal. Em seus sonhos secretos, RC devia se imaginar mandando uma brasa legal em Las Vegas, ofuscando ninguém mais, ninguém menos do que Elvis Presley, que devia ser o seu ídolo e modelo.

No mais a Jovem Guarda foi um verdadeiro balaio de gatos, acolhendo artistas de todos os gêneros e estilos que iam do swing de Jorge Ben às canções melosas de Martinha e Wanderleia, passando por Simonal, Eduardo Araújo, Renato e seus Blue Caps, The Fevers e mais um monte de gente que conseguia “um lugar ao sol”. O filme “Tim Maia” mostra como RC do alto de seu trono exercia seu poder, dando chances ou não aos que buscavam seu apoio. Tim Maia, segundo o filme, foi um que não teve reconhecimento pela força que deu a Erasmo e Roberto nos idos tempos de batalha em que os três, no mesmo patamar, lutavam pelo sucesso no início dos anos 60.

No conjunto da cena musical brasileira dos anos 60 e 70, a JG dialogou com a vertente “autêntica” da MPB, representada por Elis Regina, Chico Buarque e a turma da Bossa Nova, incluindo Tom Jobim. Bateu bola também com o pessoal da Tropicália. Roberto, sob os auspícios da Globo, há décadas reina no Brasil, tendo o cuidado de tentar impedir os avanços dos que ameaçam sua hegemonia. Vale lembrar o boicote estimulado por ele contra o meteórico sucesso do cantor Ritchie que, com o hit “Menina Veneno”, o desbancou da ponta da parada de sucessos. Artistas e compositores com propostas e estilos mais originais como Jorge Benjor e Tim Maia, logo se descolaram da Jovem Guarda e seguiram suas bem-sucedidas carreiras. No mais, a Jovem Guarda ficou no baú das lembranças de quem curtiu as jovens tardes de domingo.

— Quero que você me aqueça nesse inverno e que tudo mais vá pro inferno!!!

Revisão e pitacos: Hilário Rodrigues

Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas

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